Perícia Forense: avanço ou retrocesso?

A desvinculação dos órgãos periciais da Polícia Civil, passando a se constituir num órgão autônomo denominado Perícia Forense, foi um grave equívoco cometido pelo governo Cid Gomes guiado, naturalmente, por falsos argumentos de alguns legistas e o beneplácito do então Secretário de Segurança Pública, Roberto Monteiro.

Desde 1991, a partir de um Projeto de Indicação do, à época, deputado Mário Mamede, que o tema da desvinculação dos órgãos técnico-científicos da estrutura organizacional da Policia Civil vinha sendo debatido em diferentes plenários, dentre os quais a própria Procuradoria Geral do Estado e a Assembléia Legislativa sem nunca, no entanto, haver sido acolhido pelos diferentes governos, em face da complexidade e, principalmente, da inconstitucionalidade do projeto.
As motivações apresentadas para a efetivação da iniciativa abrangiam, desde as de cunho ideológico até as de caráter científico, sob o argumento de que a viabilização da autonomia propiciaria um maior desenvolvimento dos órgãos periciais. Fui, ao longo de mais de duas décadas, quase que uma voz isolada alertando os sucessivos governos para, dentre outras contra-argumentações, demonstrar sua flagrante inconstitucionalidade. A discussão e os debates me ensejaram, inclusive, a publicação de um livro sobre a matéria.

Cumpre relembrar algumas ponderações que fazia na tentativa de evitar a desvinculação do IML, IC e II da Polícia Judiciária. Alertava que, a implementação da medida iria acarretar o aumento na burocracia estatal com diretos reflexos na celeridade da investigação criminal ocasionando, por natural consequência, sérios prejuízos para a sociedade.

Dizia mais que, em vez da criação de mais um órgão, o ideal seria buscar uma maior integração entre as atividades, investigativa e técnica, de modo a que se pudesse oferecer à Justiça, por meio do inquérito policial, um trabalho mais consistente, com a compatibilização, respectivamente, do que resultou apurado na investigação empírica com a prova material expressa nos laudos periciais.
Com efeito, as atribuições dos institutos – IML, IC e II, incluídas que estão no conceito geral de polícia judiciária, nunca deveriam, qualquer que fosse a ótica, dela se dissociar, sob pena de, assim o fazendo, estabelecer caminhos diferentes nas atividades próprias da investigação dos delitos.

É de todos sabido que a CF/88 conferiu à instituição policial civil a competência exclusiva para a apuração dos crimes, incumbindo aos órgãos técnico-científicos, neste aspecto, papel relevante. Frise-se que, se a apuração de um delito objetiva a descoberta da autoria e de sua materialidade, como se separar, em órgãos distintos e autônomos, tais atividades? Não há, pois, como se bipartir a atuação policial civil, senão com o prejuízo de sua unidade e do relacionamento estreito que deve existir entre profissionais que executam missões num mesmo plano de atividades voltadas para objetivos comuns. Por conseguinte, o que cabia ter sido feito era a estimulação desta integração.

A Polícia técnica, tal como é reconhecida em todas as polícias do mundo, inclusive na polícia federal brasileira, é um meio e instrumento auxiliar para servir imediatamente a investigação criminal, cuja ação tem natureza emergencial face ao recolhimento de provas. Não se trata, conseqüentemente, de um órgão-fim, autonômico e corporativista.

Justamente, por tal visão é que o Plenário do Supremo Tribunal Federal veio a declarar a inconstitucionalidade de idênticas iniciativas adotadas pelos governos gaúcho e catarinense ao julgar a EC 19/97 do RS que conferiu autonomia aos citados órgãos com a criação do Instituto Geral de Perícias. No Ceará, o que é mais grave, a Perícia Forense foi instituída, tão somente, por uma Lei Ordinária.

IRAPUAN D. DE AGUIAR
ADVOGADO E PRESIDENTE
DO CONSELHO DELIBERATIVO DA ABO/CE

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