Geladeiras levada nas costas: detalhes de contrabando argentino

Homem carrega fardo nas costas durante contrabandoReprodução La Nacion / Augusto Famulari

Uma passagem “secreta” na fronteira da Argentina e Bolívia, entre as cidades de Aguas Blancas e Orán, é um dos maiores pontos de contrabando entre os países. O local é precário, escondido e arriscado – e abriga um esquema enorme de objetos ilegais.

Uma reportagem do jornal La Nacion, um dos mais tradicionais da Argentina, explorou a rota escondida e detalhou alguns dos valores de contrabando e os perigos que os trabalhadores irregulares da área enfrentam.

Ambiente hostil

Segundo o jornal argentino, existe apenas uma entrada oficial na fronteira entre as cidades, e paralelas a ela está o caminho que acontece os contrabandos. O local, em homenagem à filha do dono das terras, se chama “Finca La Carina”. Todos os carros devem passar pelo local oficial, mas fazem uma “paradinha” a meio quilômetro para descarregar o contrabando. 

O local é uma estrada rústica e não pavimentada na qual os carros fazem um “by pass” e a mercadoria vai dos veículos diretamente para as costas de pessoas, que os carregam usando apenas a força humana, estrada acima. Os carregadores, então, refazem todo o caminho e seguem levando objetos pesadíssimos.

Á esquerda, passagem oficial da fronteira entre Argentina e Bolívia; à direita, estrada que acontece contrabandoReprodução La Nacion / Augusto Famulari
‘Porto’ de mercadorias contrabandeadas entre Argentina e BolíviaReprodução La Nacion / Augusto Famulari

Pagamentos caros

De acordo com o La Nacion, os objetos são diversos: geladeiras, televisões, máquinas de lavar, e o que mais se imaginar – mas, principalmente, roupas e sapatos.

“É o porto ilegal mais movimentado e precário do país. Não tem nada igual, toneladas de mercadorias entram diariamente sem nenhum papel ou a ajuda de máquinas que suportem o peso. Um épico diário de força, busca e sobrevivência,” relatam.

O valor não é barato: os carros que passam por La Carina precisam pagar pedágio – US$ 1 mil na entrada e outros US$ 1 mil no meio do caminho. Apenas depois disso encontrarão os carregadores. 

Mas isso envolve muito mais dinheiro: principalmente pessoas argentinas fazem compras de fornecedores ilegais bolivianos. Os vendedores encontram os “pasador”, ou “passador” em português, que irá levar as mercadorias.

Um passador é caro: cobra US$ 14 mil para levar a mercadoria à costa de Aguas Blancas, e até US$ 30 mil para Orán. Esse valor cobre o transporte de uma “lona”, espécie de saco de estopa grande usado como unidade de medida. 

Pessoas são responsáveis por carregar nas costas todos os objetos contrabandeadosReprodução La Nacion / Augusto Famulari
Pessoas precisam carregar e descarregar carros diversas vezes no percursoReprodução La Nacion / Augusto Famulari

Passo a passo do contrabando

Depois dos pagamentos, há a missão do contrabando em si, ou “bagayeo.” Inicialmente, é usada uma praia na Bolívia, em que “gomones” (jangadas construídas com câmaras de caminhão) recebem os produtos e o cobrem com lonas. 

Na força do braço, homens empurram a jangada, remam e ainda direcionam a embarcação carregada – nada é mecânico. A ajuda que têm é a corrente que passa pela costa de La Carina. 

As barcaças são esvaziadas em minutos, e as pessoas a carregam nas costas. Eventualmente, um policial usa um scanner móvel para ver os objetos e garantir que não há nenhuma entrada de drogas – mas o escambo é para objetos. Vale lembrar que a operação é ilegal, mas os policiais não prendem os carregadores / passadores.

Depois disso, os carregadores carregam carros como vans e kombis com o máximo possível de mercadoria, deixando tudo pesado. Eles, depois, precisam novamente descarrega manualmente e passar os objetos por scanners similares àqueles usados em aeroportos e portos. 

Porém, existe um limite de amanho – a largura do Canal do Panamá, usada em navios no mundo todo. Algo maior que aquilo fica na praia – e existe chance de ocorrer o “by pass” pelas costas de uma pessoa.

Sem aparelhos mecânicos, homens dão direção e impulso para balsasReprodução La Nacion / Augusto Famulari

Feitas com peças de caminhão, balsas não têm motor e se movem por remosReprodução La Nacion / Augusto Famulari

Sofrimento de trabalhadores

Quem mais sofre nessa situação são os trabalhadores. Os carregadores ficam, claro, bastante afetados pela quantidade de peso que carregam diariamente, carga após carga. 

“Rostos desgastados, corpos fortes. Mulheres e homens oram esse credo de subsistência. ‘Aos 40 anos não nos podemos mexer, mas não há outra forma de ter emprego’, gagueja um destes trabalhadores marginalizados, encharcado de suor, num calor feroz do meio-dia, depois de, talvez, já ter carregado várias toneladas,” escreveu La Nacion.

As diversas revistas de material não é para impedir o contrabando ilegal de objetos, mas focar em drogas. Um dos carregadores garantiu: “Não somos traficantes de drogas, estamos trabalhando. Não temos nada a ver com esse mundo. Estamos aqui para ganhar a vida.”

Porém, quando a Gendarmaria, a Prefeitura, a Polícia Federal e a Segurança Aeroportuária montaram a operação, era justamente pelo padrão de tráfico de drogas. E o número de policiais no local não para de crescer.

Quando há problemas com drogas, há troca de tiros, mortes e violência.

“É verdade que membros da força são vistos por toda parte, mas, no verde daquela vegetação de yunga, uma batalha feroz está sendo travada. “Há patrulhas que vão para a serra durante 48 horas. Com provisões e sem sinal. Tentamos levá-los a um lugar uma vez por dia para sabermos que estão bem, mas nada mais. Eles saem para interceptar drogas”, diz um dos chefes da Gendarmaria da região.” – diz outro trecho da reportagem.

Existe, de fato, grande quantidade de drogas na área. Uma pequena parte se esconde nos fardos (lonas) citados acima, mas também existem jovens que servem de “avião”: eles flutuam no rio, agarrados a pacotes de 20 quilos de drogas, e levam para onde ela deve chegar. Os jovens, muitas vezes, não sabem o que carregam – e recebem cerca de R$ 5 mil pela transação.

Por causa disso, ainda, há diversos roubos de mercadoria na região, além de trocas de tiros e confrontos. Por isso e pelas operações policiais, o tráfico de drogas não é mais tão popular em La Carina. 

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