EGO

Vamos imaginar uma cena na sua vida. Você está desenvolvendo com muito esforço e sacrifício pessoal uma pesquisa sobre alimentos que são benéficos para saúde. Destina todos os seus dias a este propósito, porque entende ser uma tentativa válida de ajudar na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Se a pesquisa atingir seus objetivos, você poderia publicar seu resultado, tornando sua existência útil e, ao mesmo tempo, incrementando sua carreira de pesquisador. Você está animado e esperançoso.
Contudo, ao pesquisar a qualidade e os efeitos de determinado alimento no corpo humano, você se depara com uma inesperada constatação: um componente químico de um dos alimentos pesquisados, quando isolado, atua de forma positiva na eliminação de células cancerígenas. Muito esforço e muita sorte juntos, descortinam aos seus olhos uma novidade realmente revolucionária, que poderia substituir os pesados tratamentos de quimioterapia, de forma a evitar a debilitação dos pacientes. VOCÊ descobriu a cura do câncer. VOCÊ.

Uma chama de orgulho varre o seu ser, de cima a baixo. Apesar de não ser o objetivo central da sua pesquisa, seu mérito foi estar com a mente aberta para topar com descobertas inesperadas. É próprio da vida: grandes avanços foram conquistados para a humanidade porque, ao se procurar a solução de um problema, se encontrou a resposta para outro problema. Seu mérito foi seu esforço hercúleo, inabalável, seu sacrifício imenso. Como recompensa, você foi brindado com a chance de salvar milhares de vidas, de diminuir o sofrimento das pessoas no mundo inteiro.
Nestes dias, prévios da glória, quando você finaliza o relatório para apresentar à comunidade científica, ocorre o inusitado. A polícia do seu país invada a sua casa, cumprindo um mandato de uma autoridade suprema, confiscando todos os seus trabalhos e computadores. Te informam rispidamente que, pelo bem da ciência e da democracia, você será detido e toda a sua produção seria propriedade do Estado, sendo que a autoria dos trabalhos científicos a partir de agora não seria mais divulgada. O poder deles é inquestionável e os processos são sigilosos, não há escapatória. Todavia, no meterial apreendido pelos policiais faltou justamente o relatório conclusivo sobre a cura do câncer. Este arquivo está com você, num minúsculo pendrive, que eles não encontraram.

Só você sabe que existe a cura do câncer. Mas se você entregar o pendrive, eles assumirão a autoria da pesquisa ou a atribuirão a um impostor qualquer. Atribuirão, talvez, à pessoa que você mais detesta. Neste caso, a pesquisa será divulgada e muitas pessoas se salvarão, enquanto você permanece no total anonimato. A pergunta que precisa ser feita é a seguinte: tomada a estória como história, o que você faria? Todo seu esforço o conduziu a um resultado digno de um prêmio Nobel, porém ninguém poderá saber que foi você. Qual é a sua luta? O que te move?

SÁVIO BITTENCOURT
PROCURADOR DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO RJ

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