Às portas do Judiciário – os limites de utilização da inteligência artificial

Antes que recaíam dúvidas sobre o que penso acerca da utilização e da utilidade das inovações tecnológicas, tenho a dizer que sou entusiasta de tudo o que concirna à otimização do trabalho, em todas as áreas, desde que preservada, ao máximo, a atuação humana.
Já escrevi em outro momento, acerca dos impactos negativos que esta nova realidade mundial, em que impera a tecnologia, pode causar.

Tratando-se do mundo jurídico, é inegável que temos avançado significativamente, no que tange à economia e à celeridade processual, a partir da implantação e difusão da Lei acerca da informatização processual (nº 11.419/2006), guardadas, evidentemente, todas as proporções (e desproporções).
Quando se trata, por exemplo, do ritual que hoje é utilizado, a partir da adoção do meio eletrônico, na sistemática processual, para ajuizamento de ações; protocolos para consulta e inserção de petições; ou a marcha processual como um todo, dúvida não há de que houvera ganhos.
Entretanto, a velocidade com que a tecnologia avança entre nós, não encontra sintonia, com os meios e recursos (materiais e humanos) necessários, o que acaba suscitando uma perene e necessária revisão, quanto à adoção dos procedimentos processuais.
A Inteligência Artificial, até pelos efeitos que já produziu em tão pouco tempo de convivência com a humanidade, já a torna praticamente impossível de ser excluída do mundo, ou quem sabe até mesmo contida, nesse estágio em que chegamos.

Entretanto, o que deveria ser motivo de preocupação, reflexão e discussões, parece que, a cada dia, só cresce, em termos de entusiasmo, ou talvez alienação, enquanto já se sentem os impactos que essa nova onda pode trazer, em relação ao esforço mínimo para utilização da máquina cerebral humana.
No mundo jurídico, vira e mexe, temos notícias de casos, em que se constata mais que uma preguiça mental (antes fosse só isso), mas uma escancarada tentativa de burlar procedimentos legais, que atentam contra o sistema de Justiça.

Recentemente, um advogado gerado por IA, ingressou na sala de audiência virtual, da “Divisão de Apelações do Estado de Nova York”, realizada nos Estados Unidos no dia 26 de março. A sessão foi prontamente suspensa pela Juíza Sallie Manzanet-Daniels, ao perceber que o ato fraudulento.
Noutro dia, a Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, da 5ª Câmara Criminal do TJ-SC, detectou a utilização de jurisprudências (decisão de tribunais), criadas artificialmente, através do uso de IA, como manobra do advogado de defesa, para obtenção de um habeas corpus.
Se há, presentemente, uma justa preocupação com a disseminada propagação de fake news, já deveria haver também para a prática do que se pode chamar de uma verdadeira “fake jus”. Caso contrário, começarão a ser produzidas injustiças, mais que desumanamente irreparáveis.

Por outro lado, até o momento, não vemos movimento dos poderes públicos, em relação a imposição de limites para a utilização de Inteligência Artificial, no âmbito das relações jurídicas, o que só aumenta ainda mais a preocupação que a questão já exige.
A continuar assim, sem contenção por meio de uma urgente regulamentação, perderemos a direção do que ainda resta de esperança à sociedade, que é o caminho do Direito para obtenção da Justiça.

PAULINO FERNANDES
DEFENSOR PÚBLICO E PROFESSOR

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