
Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e o Comitê por Memória, Verdade e Justiça (CMVJ) do Piauí, dois piauienses foram assassinados e nove deputados do estado foram cassados pelo regime ditatorial entre 1964 e 1985. Antônio Pádua, morto, e Chagas Rodrigues, cassado pela ditadura militar
Memorial da Resistência de São Paulo/Agência Senado
Nesta terça-feira, completa-se 61 anos do golpe militar no Brasil, que ocorreu entre 31 de março e 1º de abril de 1964. O regime autoritário que comandou o país até 1985 perseguiu, torturou e matou opositores no Piauí e o g1 reúne, nesta reportagem, alguns dos alvos da ditadura e mostra suas contribuições na luta pela democracia.
Historiadores desse período afirmam que há uma tentativa de negar ou minimizar os efeitos nefastos do regime no estado. Mas a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e o Comitê por Memória, Verdade e Justiça (CMVJ) do Piauí, apontam assassinatos e a cassação deputados piauienses.
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Segundo as entidades, dois piauienses foram assassinados pela ditadura. Um deles, como o famoso ex-deputado federal Rubens Paiva, o qual a história é contada no filme ganhador do Oscar 2025 “Ainda estou aqui”, nunca foi encontrado.
Ao todo, um deputado federal e oito estaduais foram cassados pelo regime. O CNV e CMVJ também contam quase 40 presos, processados e perseguidos pelos agentes do governo. Clique, abaixo, no tópico desejado para conhecer as histórias de alguns deles:
Mortos por envolvimento com guerrilha
Líderes comunitários e sindicais perseguidos
Políticos trabalhistas cassados
A professora Marylu Oliveira, pós-doutora em história pela Universidade Federal do Ceará (UFC), destacou que a maioria dos piauienses perseguidos pelo regime militar estava envolvida, de uma forma ou outra, na defesa das reformas de base promovidas pelo presidente João Goulart, deposto pelo exército.
“Eles faziam parte de um projeto, na década de 60, que era de reforma social, política, estudantil e agrária. Pensavam em uma sociedade brasileira menos desigual. Essas lutas sempre foram vistas como uma ameaça às elites, cujo discurso acabou sendo centrado no medo da ameaça comunista”, explicou a professora.
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Já o professor Leandro Castro, doutor em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), começou a pesquisar sobre a ditadura em Parnaíba inspirado pela experiência do avô – líder sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) entre as décadas de 50 e 60 e perseguido pelos militares.
“Comecei a questionar as memórias de que aqui não houve nada durante a ditadura militar, essas memórias apaziguadoras que tentam distanciar Parnaíba dos eventos do regime. A maioria dos trabalhadores aderia ao trabalhismo, mas era colocada no guarda-chuva do comunismo para facilitar a adesão da sociedade ao golpe”, ressaltou Leandro.
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Mortos por envolvimento com guerrilha
Antônio de Pádua Costa
Antônio Pádua era estudante e entrou para a guerrilha do Araguaia
Reprodução/Comissão Nacional da Verdade
Nascido em Luís Correia, no litoral do Piauí, Antônio de Pádua era estudante de Astronomia e Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele atuou no movimento estudantil da instituição entre 1967 e 1970, e foi preso pela primeira vez durante o 30º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), em 1968.
Desde então, passou a ser perseguido e entrou para a militância do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Em 1970, mudou-se para o Sudeste do Pará, onde assumiu o comando do Destacamento A da guerrilha do Araguaia – um movimento de resistência armada contra a ditadura militar.
Antônio esteve em um tiroteio com militares em janeiro de 1974 e, depois disso, não foi mais visto pelos outros guerrilheiros. Segundo a CNV, ele foi vítima de desaparecimento forçado durante a Operação Marajoara, planejada e comandada pelo exército de Belém (PA), e listado como morto no relatório da Marinha entregue ao Ministério da Justiça em 1993.
“A Operação Marajoara foi ‘descaracterizada, repressiva e antiguerrilha’, ou seja, com uso de trajes civis e equipamentos diferenciados dos usados pelas Forças Armadas. O seu único objetivo foi destruir as forças guerrilheiras atuantes na área e sua ‘rede de apoio’, os camponeses que com eles mantinham ou haviam mantido algum tipo de contato, escreveu a comissão.
Antônio de Araújo Veloso
Lavrador nascido em Bertolínia (PI), Antônio Veloso morava com a esposa e os sete filhos em São Domingos do Araguaia (PA). Ele conheceu alguns guerrilheiros que se instalaram na região e moraram em sua casa até o exército se instalar no Sul do Pará para combater a guerrilha.
Em depoimento a um jornal de São Paulo (SP), em 1980, a esposa de Antônio relatou que o marido levou um guerrilheiro à Transamazônica, em 1972, e foi abordado por soldados que procuravam o combatente. Como não o encontraram, prenderam o lavrador e o obrigaram a servir de guia para o exército.
Antônio morreu quatro anos depois da prisão, em 1976. O processo sobre o piauiense na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em 1996, revelou um atestado médico em que ele foi diagnosticado com politraumatismo, hematomas e esquimoses.
Além de ter sido espancado violentamente e ter ficado dias sem água e comida, ele foi colocado com os pés sobre latas abertas que cortavam seus pés toda vez que se movia. Esse tratamento teria lhe ocasionado diversas sequelas, impossibilitando-o de trabalhar e sustentar sua família, citou o relatório da CNV.
Líderes comunitários e sindicais perseguidos
Iracema Santos Rocha da Silva
Iracema Santos ao lado do ex-presidente da OAB-PI, Celso Barros Neto
Divulgação/OAB-PI
A advogada Iracema Santos nasceu em Floriano (PI), em 1927, e se candidatou à Prefeitura de Teresina nas décadas de 50 e 60. Ex-presidente da Liga Feminina Trabalhista, ela conseguiu ser eleita deputada federal em 1970, mas foi cassada pela ditadura.
Antes disso, em 1964, foi acusada pelos militares de comunismo e subversão e encarcerada no 25º Batalhão de Caçadores, na capital, onde teve de depor aos agentes do regime. Quando foi solta, a proibiram de encontrar-se com qualquer pessoa.
Ela foi conduzida a prestar depoimentos no exército no Dia das Mães, o que criou uma situação muito impactante. Se hoje em dia há uma dificuldade importante na introdução das mulheres no espaço político, naquela época era muito incomum uma mulher jovem e aguerrida politicamente, considerou a professora Marylu Oliveira.
De acordo com as pesquisas do CMVJ, Iracema também perdeu o emprego como professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e um cargo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ela foi anistiada pelo governo federal, em 2015, e recebeu uma indenização de R$ 150 mil.
Evilásio dos Santos Barros
Carteira profissional de Evilásio Barros, operário e líder sindical
Acervo particular da família de Evilásio Barros
O operário Evilásio Barros nasceu em Buriti dos Lopes (PI), mas começou a trabalhar e constituiu família em Parnaíba, no litoral do Piauí. Entre o fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, representava a Federação dos Trabalhadores da Indústria no estado, vinculada nacionalmente à CNTI.
Seu neto, o professor Leandro Castro, afirmou que a ditadura militar incluiu o avô no Inquérito Policial Militar (IPM) aberto em Parnaíba em 1964, pouco depois do golpe, o primeiro instaurado no Piauí. Os militares notavam que Evilásio viajava constantemente e recebia instruções para fazer greves.
Após o golpe, ele estava em viagem para Fortaleza (CE) e, quando retornou, soube que os militares estiveram em sua casa, em busca dele, para interrogá-lo. Chegaram de madrugada à casa da minha avó grávida, revistaram a residência toda sem nenhum mandado, em clima de terror. Ele se apresentou com o advogado e ficou duas semanas preso, contou o professor.
Embora não pertencesse a nenhum partido político, Evilásio perdeu os direitos de se candidatar e votar para cargos públicos. Em 2011, recebeu uma indenização de R$ 100 mil do governo federal, que reconheceu que o ex-operário foi perseguido e sofreu tortura psicológica pelo Estado. Ele faleceu em 2015.
Políticos trabalhistas cassados
Francisco das Chagas Caldas Rodrigues
Chagas Rodrigues foi governador, senador e deputado federal pelo Piauí
Célio Azevedo/Agência Senado
Advogado, professor e tenente da reserva do exército, Chagas Rodrigues nasceu em Parnaíba (PI) e é um dos personagens mais relevantes da história da política piauiense. Ele governou o estado entre 1959 e 1962 e foi eleito deputado federal em 1964, quando passou a ser perseguido pela ditadura.
Sua atuação enquanto governador ficou marcada pela implantação do serviço social no Piauí, distribuição de ferramentas para trabalhadores e camponeses e discursos em defesa da reforma agrária. Ele foi inserido no primeiro IPM instaurado pelos militares no estado.
Antes filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi obrigado a migrar para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a única legenda de oposição permitida pelo regime militar. Em 1969, teve o mandato cassado pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Chagas Rodrigues chegou a ser exilado do estado, mas foi anistiado em 1979 e retornou à vida política em 1986, quando foi eleito senador. O governo federal o indenizou em 2007, dois anos antes de sua morte.
Jesualdo Cavalcanti de Barros
Jesualdo Cavalcanti teve o mandato de vereador cassado pela ditadura
Divulgação/Jesualdo Cavalcanti
Nascido em Corrente (PI), o advogado Jesualdo Cavalcanti foi um membro ativo do movimento estudantil entre os anos 1950 e 1960. Ele se elegeu pela primeira vez a um cargo público em 1962, quando entrou para a Câmara dos Vereadores de Teresina.
O mandato como vereador, porém, durou apenas dois anos. Com o golpe promovido em 1964, ele entrou na mira dos militares por ser filiado ao PTB. Em sua autobiografia, publicada em 2006, o político lembrou que foi cassado pelos colegas de bancada e preso e humilhado pelos agentes do regime.
Só um vereador do PTB se absteve, mas todos os outros colegas votaram a favor da cassação porque o exército exigiu. Ele foi exposto em um caminhão na praça Pedro II, onde se passava com os presos políticos na época. Na prisão, os carcereiros falavam que ele seria jogado no rio, faziam ameaças veladas e explícitas, comentou a professora Marylu Oliveira.
Jesualdo recuperou os direitos políticos em 1974 e voltou à vida pública como deputado estadual, em 1978. Ele se elegeu deputado federal, assinou a Constituinte de 1988 e encerrou a carreira política como prefeito de sua cidade natal, Corrente, em 2012, antes de falecer em 2019.
Golpe militar deu início a período de repressão política nos anos 60 e 70
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