Com o objetivo de “disciplinar o funcionamento do Poder Legislativo estadual” nos dias 3, 4 e 5 do mês de março, período momino, o deputado De Assis Diniz, primeiro secretário da Assembleia Legislativa do Ceará, assinou portaria com data de 26 de fevereiro, na qual torna ponto facultativo todos os expedientes no “período do festival do cristianismo ocidental – Carnaval.” Quero crer que o parlamentar, de formação cristã, não é o redator da portaria que faz uma afirmação equivocada, perfeitamente dispensável como informação, senão provocativa em relação às crenças e festividades cristãs. Deve tê-la assinado sem a devida atenção, em confiança para com assessor intelectualmente despreparado. O carnaval não é, nunca foi e certamente nunca será um “festival do cristianismo.” A única relação do carnaval com as festas cristãs diz respeito às delimitações cronológicas feitas ainda sob o Calendário Juliano, com continuidade de datação no Calendário Gregoriano, estabelecido em 24 de fevereiro de 1582, pelo Papa Gregório XIII, em cumprimento a decisão do Concílio de Trento, depois de ouvir o astrônomo Luigi Giglio. Daquele tempo a esta parte é o calendário oficial da Igreja e do mundo ocidental.
Repito: o carnaval não é festa cristã. Apenas e tão somente o período da folia carnavalesca foi definido em razão do cálculo da data do início da Quaresma, definitivamente estabelecido pela Igreja em 1091, sob o papado de Urbano II. O período de Carnaval, que se inicia no sábado e termina na terça-feira antecedente à Quarta-feira de Cinzas, foi estabelecido como CONSEQUÊNCIA INDIRETA da data fixada pela Igreja para a sua festa religiosa. Só uma pessoa muito desinformada desconhece que as origens do carnaval nada têm a ver com o cristianismo e remontam à antiguidade, quando os povos celebravam festivais em honra da chegada da primavera e dos deuses da fertilidade. Na velha Roma celebrava-se a Saturnália, em honra de deus Saturno, associado à fertilidade, à agricultura, à justiça e ao tempo. Celebravam-no com banquetes, danças e passeatas de mascarados pelas ruas da cidade. Os gregos celebravam as festanças dionisíacas, em honra a Dionísio, o Baco romano, deus do vinho e das bebedeiras. Faziam-no com expressões públicas, teatrais, música e dança.
Há várias etimologias para a palavra carnaval, algumas fantasiosas. Para uns a origem da palavra seria CARRUM NAVALIS (carro naval), interpretação aceita por poucos. Para a maioria, a etimologia aceitável resulta da expressão CARNE LEVARE, ou seja, AFASTAR A CARNE, do latim “tirar, levar, afastar.” Sem dúvida, essa etimologia está mais consentânea com o que ocorre no carnaval, ou seja, a ascendência dos desejos da carne, da concupiscência da carne sobre as manifestações espirituais próprias da devoção quaresmal, que requer penitência, contrição e dedicação aos rituais da Igreja cristã, em especial da Igreja Católica, uma vez que no cenário evangélico/protestante são outros os costumes, muito mais rigorosos e distantes do espírito carnavalesco. Enfim, repito à saciedade: o carnaval é uma festa mundana, profana, de origens pagãs pré-cristã. A essência da festa de Momo nada tem a ver com o espírito do cristianismo, a não ser a delimitação temporal em face de datas estabelecidas pelo calendário cristão. Querer transformar o carnaval em um “festival do cristianismo ocidental”, constitui no mínimo uma insensatez de quem prefere narrativas falaciosas à verdade histórica.
BARROS ALVES
JORNALISTA, POETA E ASSESSOR PARLAMENTAR
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