Se tudo hoje é motivo para embates ideológicos, não seria diferente com o Oscar. Mas há algo de exaustivo nesse ciclo infinito de disputas, onde qualquer reconhecimento individual é reduzido a um jogo de lados opostos. A indicação de Fernanda Torres ao prêmio de Melhor Atriz por sua atuação em Ainda Estou Aqui deveria ser um marco para o cinema brasileiro, uma celebração do talento e do alcance de nossa produção audiovisual. No entanto, sua nomeação rapidamente se tornou mais um combustível para discussões inflamadas.
O debate que deveria ser sobre a arte do cinema virou mais um tema da obsessão contemporânea com rótulos e divisões partidárias. De um lado, aqueles que criticam sua indicação não por uma análise técnica, mas porque discordam de suas posições políticas. De outro, os que defendem cegamente, como se qualquer crítica à sua atuação fosse automaticamente uma posição contrária a tudo que ela representa. O que escapa a ambos os extremos é que a arte deveria ser maior do que essas disputas, e que o valor de um trabalho não deve ser julgado exclusivamente pelo posicionamento de quem o assina.
Esse fenômeno não é novo, mas o esgotamento que ele causa, sim. Se antes a polarização era vista como um reflexo do engajamento social, hoje ela começa a se revelar como um ciclo vicioso que empobrece qualquer discussão. E, nesse processo, perdemos de vista o essencial: o que realmente está em questão aqui? O cinema brasileiro ter mais visibilidade internacional? O impacto do filme na indústria? O significado de uma atriz veterana como Fernanda Torres alcançar esse reconhecimento? Nada disso parece importar tanto quanto definir se sua indicação favorece um “lado” ou “outro”.
A arte sempre foi um reflexo da sociedade, mas quando a reduzimos a um campo de batalha político, estamos na verdade diminuindo sua potência. O cinema deve provocar, questionar, emocionar – e não ser refém de disputas que esgotam qualquer possibilidade de apreciação genuína. Se formos incapazes de enxergar uma obra sem transformá-la em um símbolo de guerra cultural, talvez o problema não esteja nos indicados, nem na premiação, mas na forma como escolhemos enxergar o mundo.
BEATRIZ SIDRIM
JURISTA E CEO DA DESTINOS
OBJETIVOS
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