As orcas (Orcinus orca) são os maiores golfinhos da Terra, e também os superpredadores (ou predadores alfa) dos oceanos, ou seja, não há nenhum outro animal capaz de caçá-lo, desconsiderando humanos, já que não há consenso se nos encaixamos ou não na escala.
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Isso porque já se sabe, há algum tempo, que eles predam o tubarão-branco (Carcharodon carcharias), que ficou com fama de máquina de matar graças principalmente ao cinema.
Curiosamente, os hábitos alimentares das orcas podem ser bem seletivos, graças a registros de ataques a tubarões-brancos onde só o fígado e outras entranhas selecionadas foram devoradas. O mais interessante, este não é um caso isolado na Natureza.
Orcas curtem fígado de tubarão
Orcas e tubarões-brancos (o termo “grande tubarão-branco”, mais usado em inglês, é uma nomenclatura hoje em desuso) coexistem de forma relativa, já que ambas espécies estão distribuídas por quase todos os mares e oceanos do planeta, o segundo só não vive em águas com temperatura abaixo de 12 °C. Como suas predileções dietárias se sobrepõem, os tubarões geralmente não disputam presas com as orcas, que são maiores e igualmente vorazes, e preferem ir caçar em outro lugar, pois inevitavelmente poderiam eles mesmos se tornarem a caça.
Há inclusive registros, com fotos, de uma única orca devorando um tubarão-branco jovem, de cerca de 2,5 m de comprimento:
Um desses episódios foi documentado em um estudo recente. Uma carcaça de tubarão-branco, encontrada na costa sudeste da Austrália em 2023, tinha sinais distintos de dentadas de orca, o que foi comprovado por exames de DNA, mas como o ataque se deu, e o que foi devorado, intrigou os cientistas: com exceção do fígado, trato digestivo e órgãos reprodutores, prontamente consumidos, tudo o mais foi ignorado.
O espécime atacado era um adulto, por volta de 4,5 m de comprimento, e segundo Isabella Reeves, bióloga marinha e doutoranda da Universidade Flinders, em especialização na evolução das orcas, o alvo dos cetáceos, identificado pela mordida principal no ventre, foi especificamente o fígado; outras mordidas, identificadas como sendo de cações-bruxas (Notorynchus cepedianus), se deram quando a carcaça já tinha sido dispensada.
Esse tipo de ocorrência não é inédita, casos dramáticos já foram observados na costa da África do Sul, onde um cardume de orca atacou vários tubarões, mas só devoraram seus fígados, e largaram o resto, basicamente o peixe inteiro, para predadores oportunistas. Há relatos de caça seletiva, em busca dos “cortes nobres” das presas, tão antigos quando o século XIX, baleeiros já observavam a ação de orcas atacando baleias de barbatanas, mas devorando apenas as línguas dos grandes cetáceos, deixando as carcaças para os humanos.
Até o momento, não há uma explicação específica por qual motivo orcas selecionam partes específicas de presas grandes, quando as devorar por completo não seria um problema. A hipótese mais plausível, a busca por órgãos específicos se dê por conferirem mais energia. Um fígado de tubarão-branco, por exemplo, que compõe cerca de 1/3 do peso do espécime, é rico em esqualeno, um óleo bastante nutritivo, e teorizam que um único órgão pode sustentar uma orca por um dia inteiro.
Ao mesmo tempo, Reeves diz que a cartilagem e os músculos do tubarão-branco não compensam tanto, assim, as orcas estariam se valendo da Lei do Menor Esforço, optando pela abordagem mais simples e com melhores resultados, no caso, a que fornece mais energia.
As orcas não são o único animal a ser bem seletivo na hora do rango. O próprio tubarão-branco, por exemplo, prefere partes específicas de carcaças de baleias, e pode até mesmo cuspir fora o que considerar pouco nutritivo, e indigno do esforço. Espécimes da foca-comum (Phoca vitulina) que vivem no Alasca, que se alimentam de salmões, devoram os machos e deixam só a cabeça para trás, mas se pegam uma fêmea, miram especificamente no ventre, cheio de ovos.
Segundo o prof. Dr. Kevin Kohl, do departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, esse tipo de comportamento só deve ocorrer em duas circunstâncias, a primeira quando a presa é rara, mas há outras preocupações que requerem atenção do predador, assim, ele foca na parte mais interessante, que pode ser consumida rápido com menos esforço.
A segunda é quando há bastante comida disponível, o que permite aos animais serem mais seletivos e focarem em comer as partes mais nutritivas de suas presas, sem que passem necessidades; em uma situação de escassez, vão comer o que aparecer pela frente, e não deixarão nada no prato.
A grande pergunta, é entender como os predadores se dão conta de suas necessidades de nutrição, e decidirem por esta ou aquela presa, e escolher quais partes da caça valem a pena comer, e quais descartar. Alguns herbívoros são seletivos quando precisam de certos nutrientes, mas até o momento, animais carnívoros, ainda mais superpredadores, nunca deram indícios de tais necessidades específicas.
Referências bibliográficas
REEVES, I. M. M., WEEKS, A. R., TOWNER, A. V. et al. Genetic Evidence of Killer Whale Predation on White Sharks in Australia. Ecology and Evolution, Volume 15, Edição 1 (janeiro de 2025), 6 páginas, 27 de janeiro de 2025.
DOI: 10.1002/ece3.70786
Fonte: Scientific American, Popular Science
Orcas caçam tubarões-brancos, mas só comem o fígado