Marvel vs. Capcom e as dificuldades em escalar personagens

Durante os anos 1990, a Capcom manteve uma sólida parceria com a Marvel Comics, que rendeu ótimos games para o Arcade, os licenciados e principalmente os crossovers, estrelados pelos heróis e vilões da editora, se digladiando com os personagens da desenvolvedora japonesa.

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Só que essa relação nem sempre foi fácil: a Capcom nem sempre conseguiu convencer a Marvel a introduzir certos personagens nos games, que foram barrados por vários motivos, o que uma série de entrevistas antigas, recuperadas graças ao The Internet Archive, revelam agora ao público.

Marvel vs. Capcom: Clash of Super Heroes (Crédito: Divulgação/Capcom/Marvel Comics/Disney)

Marvel vs. Capcom: Clash of Super Heroes (Crédito: Divulgação/Capcom/Marvel Comics/Disney)

Marvel, Capcom, e as entrevistas perdidas

Em 1998, quando Marvel vs. Capcom: Clash of Super Heroes chegou aos Arcades, a trilha sonora do game foi também lançada no Japão em CD. O encarte trazia um link, login e senha para um site protegido, que continha versões arranjadas de algumas das músicas, como os temas de Wolverine e Chun-li, que você podia baixar.

O site também trazia uma série de informações a respeito do processo de desenvolvimento do game, na forma de entrevistas com o produtor Kenji Kataoka, que trabalha na Capcom até hoje. Infelizmente o site foi perdido há muito tempo, mas foi recuperado e preservado, e você pode acessá-lo sem precisar de uma senha, no The Internet Archive.

Segundo Kataoka, a Marvel foi até razoavelmente solícita quanto a permitir o uso de diversos personagens do segundo escalão da editora, a primeira proposta de elenco proposta incluía, além de vários personagens já usados nos títulos anteriores, alguns que entraram para o plantel depois, como Punho de Ferro, Ultron, e Super Skrull, e outros que nunca foram aproveitados, como Mulher-Aranha, Doutor Octopus, Fera, Homem-Máquina, Namor, e Elektra (que quase foi incluída em MvC3), entre outros.

Um dos descartados foi o dragão Fin Fang Foom (que apareceria como um chefe em Marvel’s Guardians of the Galaxy), que poderia ter sido o chefe, mas para a Capcom, tal criatura “não era uma novidade” para o público japonês, ou seja, não tinha apelo. Por outro lado, a Marvel exigiu a presença de Capitão América, Homem-Aranha, Wolverine, e Hulk, enquanto o Quarteto Fantástico e o Homem de Ferro foram barrados.

Isso aconteceu porque ambas licenças haviam sido cedidas à Acclaim, que distribuiu os games Iron Man and X-O Manowar in Heavy Metal em 1996, e Fantastic Four em 1997, e assim, a Capcom teve que se contentar com o Máquina de Combate, nos dois primeiros Marvel vs. Capcom; o ferroso ficou de fora de Marvel Super Heroes vs. Street Fighter pelo mesmo motivo, e a solução foi substituí-lo pelo Ciclope.

Outros personagens barrados pela Marvel, que Kataoka havia filtrado para a primeira seleção de lutadores controláveis, foram Thor, Jubileu, Psylocke, e… Howard, o Pato.

Definitivamente não este Howard, a foto só está aqui por motivos de Lea Thompson (Crédito: Lucasfilm/Universal Pictures/Disney)

Definitivamente não este Howard, a foto só está aqui por motivos de Lea Thompson (Crédito: Lucasfilm/Universal Pictures/Disney)

Segundo Kataoka, a Marvel foi particularmente nuclear com a ideia de incluir Howard no game, mas também cortou vários mutantes, além do Thor, que foram relegados ao papel de suportes, ao lado de outros menores do estúdio, vindo de games como Legendary Wings, Forgotten Worlds, Strider, Three Wonders, e outros. Kataoka, aliás, achava que a redução dos selecionáveis presentes em X-Men: Children of the Atom, e X-Men vs. Street Fighter, pode ter afetado a popularidade do game.

Outro problema com a Capcom foi o vilão. Os desenvolvedores não queriam usar Apocalipse pela terceira vez seguida, e propôs o uso de Galactus, o Devorador de Mundos, uma ideia categoricamente rejeitada. Segundo a Casa das Ideias, o personagem, que é um dos mais poderosos de seu acervo, é “um deus onipotente e impossível de ser derrotado” no mano a mano, e, além disso, “ele simplesmente não luta”.

Claro, isso mudaria em 2011 com Marvel vs. Capcom 3, mas na época, ele estava completamente fora dos limites. A Capcom acabou sugerindo usar Massacre (Onslaught no original), o vilão de uma saga publicada recentemente, ao que a Marvel permitiu.

Apocalipse gigante foi uma “gambiarra”

À luz das várias informações reveladas pelo resgate das entrevistas de Takaoka, o site Eventhubs relembrou comentários feitos no X por Atsushi Tomita, designer que trabalhou nos games de luta baseados nos personagens da Marvel, de X-Men: Children of the Atom a Marvel vs. Capcom, além de Tech Romancer e vários da franquia Gundam.

Segundo o desenvolvedor, a decisão por fazer de Apocalipse, um dos mais formidáveis e poderosos inimigos dos X-Men, em um chefe que ocupa quase metade da tela em X-Men vs. Street Fighter, um design que se manteve nos chefes posteriores, de Massacre e Galactus a Ultron Sigma, não foi uma decisão consciente, mas uma forma de contornar limitações técnicas.

Um dos motivos para a escolha, segundo Tomita, era chocar o jogador, que inicialmente veria o vilão em sua forma normal, pouco maior que Magneto, Zangief, e Dentes-de-Sabre, antes de se transformar, mas a real explicação era porque a ROM disponível na placa CPS-2 (322 Mb, ou 40,25 MB) já tinha sido toda alocada, e não havia mais espaço na memória para um lutador extra, completamente animado e com golpes especiais, como Thanos em Marvel Super Heroes, por exemplo.

A luta contra Apocalipse, embora criativa, foi fruto de uma gambiarra para contornar limitações técnicas (Crédito: Reprodução/Capcom/Marvel Comics/Disney)

A luta contra Apocalipse, embora criativa, foi fruto de uma gambiarra para contornar limitações técnicas (Crédito: Reprodução/Capcom/Marvel Comics/Disney)

A solução foi criar dois sprites estáticos de Apocalipse, o normal sendo só uma imagem, e o gigante com animações mínimas, com a cabeça e o punho como as duas únicas hitboxes; a segunda forma de Massacre, em Marvel vs. Capcom, segue o mesmo princípio, mas a última de Abyss em Marvel vs. Capcom 2 passou a ser a manutenção do estilo, já que a versão original da placa NAOMI, da Sega, que usava ROM normal ao invés de discos GD-ROM (a mesma mídia do Dreamcast), que viriam depois, possuía bem mais memória (168 MB).

O caso do site recuperado pelo The Internet Archive lembra mais uma vez da importância em preservar a memória da indústria dos games, sejam os jogos em si, ou as histórias por trás do desenvolvimento dos mesmos, que são ricas e cheias de detalhes, que geralmente não chegam ao público. Qualquer ajuda em prol do esforço é válida, apesar de várias desenvolvedoras grandes sendo contra, e usarem a desculpa de “proteger suas IPs”.

Fonte: Eventhubs

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