Vamos falar de trabalho e mão de obra (Em Portugal)

No evento empresarial da cimeira Brasil-Portugal, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, apelou aos empresários brasileiros que invistam no setor da habitação em Portugal. O país está com dificuldades em cumprir o compromisso de construir 59 mil casas do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Na sequência do apelo, jornal português entrevistou o empresário brasileiro Charles Ruas, que já atua em Portugal e possui anos de experiência no mercado, em especial na construção de casas populares. O assunto virou pergunta e resposta, porque os empregos gerados lá, acobertam brasileiros em dificuldade e migrantes de escolaridade baixa.

Como é que você viu esse apelo do primeiro-ministro português em ir lá em São Paulo e pedir que os brasileiros venham aqui construir?
Eu vi com ânimo. É importante a gente ter essa sinalização política que estimula que os empresários brasileiros possam vir investir em Portugal e contribuir não só para os portugueses como para os imigrantes brasileiros também. Tanto na geração de oportunidades de trabalho, mas especialmente o acesso à habitação que é uma grande dor da população portuguesa, uma grande dor em Portugal. Então essa sinalização é uma sinalização positiva, embora os empresários brasileiros já estejam cá a trabalhar e a contribuir para isso e o que a gente precisa agora é de um caminho de oportunidade que seja estável. As mudanças de regra e as incertezas elas atrapalham bastante para que os investidores possam se sentir confiantes de que estão fazendo bons investimentos e que terão retorno do seu investimento. Acho que a questão da instabilidade política ela atrapalha bastante e quando há uma sinalização desse tipo, se ela se torna concreta, com legislação que regula e deixa as regras claras, fica muito mais fácil para que os empresários possam se estimular e vir de forma maciça investir em Portugal para ajudar a resolver essa dor da habitação. Qual é o maior problema que você vê? Qual é o maior entrave que um empresário tem para construir aqui em Portugal? Veja, falando especificamente enquanto empresário imigrante, nós também sofremos com as dificuldades que os imigrantes de maneira geral tem. Então, as comprovações de documentação, de experiência, construir um relacionamento com o sistema bancário português é começar do zero. Então, assim, eu, por exemplo, tenho uma empresa e continuo atuando no Brasil, construindo habitação popular, que chamamos lá e aqui habitação social, e nós já temos um relacionamento bancário, volumes de investimento, casas entregues, mas quando nós chegamos aqui para fazer avaliação para o crédito bancário junto ao sistema financeiro em Portugal, isso não é referido, é sequer considerado. Então, olha, o histórico que você tem no Brasil aqui não vale, a gente precisa entender e conhecer qual é o seu histórico cá.

Sendo que você construiu milhares de casas no Brasil no programa Minha Casa Minha Vida
Nós temos hoje um histórico de experiência de 14 mil casas entregues, permanecemos lá construindo e entregando casas, mas quando chega aqui nós somos uma empresa com dois anos, como é tradicional, no primeiro ano dificilmente a empresa tem lucro, porque o ciclo do imobiliário é um ciclo longo de três anos, ou seja, você só começa a apresentar lucros contábeis na empresa depois de três anos de operação e quando se apresenta isso junto ao sistema bancário, o sistema bancário recua e não entra com apoio financeiro. E o ciclo do imobiliário, como eu disse, é um ciclo longo, que demanda muito capital e para você fazer um investimento desse tipo você precisa ter o apoio do sistema bancário. Então, acho que esse é um ponto central, que o sistema bancário português precisa entender que para atrair investidores internacionais ele precisa também reconhecer essa estabilidade econômica que o sistema produtivo tem em outros países, que não só aqui em Portugal. E os outros elementos todos, a gente falou, a Cimeira trouxe um fato importante, que é o reconhecimento da senioridade para os engenheiros na inscrição da ordem e esse é um passo importante porque, é como eu trouxe, as empresas podem ter todo o histórico produtivo fora do país, mas quando chega cá não há um registro. Então, no Brasil nós temos lá as ARTs, as anotações de responsabilidade técnica, as CATs, que comprovam que a empresa produziu aquele volume de unidades e a gente não tem como comprovar isso cá em Portugal. São elementos que os governos brasileiros e portugueses precisam construir um caminho de reciprocidade para que esses reconhecimentos sejam válidos em ambos os países, porque tanto nós temos empresas brasileiras atuando cá, como também empresas portuguesas atuando lá no Brasil. É um caminho de oportunidade para ambos os países.

Em relação à mão de obra, Charles, você tem dificuldade em contratar aqui em Portugal?
Sempre. Na realidade, aqui o gargalo da mão de obra qualificada é mais grave, mas é um movimento que no mundo tem se acentuado. No Brasil a gente também sente dificuldade de contratar a mão de obra, porque o serviço de construção civil, apesar de ter o nome de indústria, é uma manufatura. Ele depende da mão de obra, do trabalho que é pesado e que, por exemplo, a nova geração, os mais jovens, já não se interessam por esse tipo de trabalho, porque têm acessível outras oportunidades de trabalho que geram desgaste físico menor e isso é um fato, a gente precisa reconhecer isso.
A mão de obra é um problema no mundo e aqui em Portugal ainda mais, porque a gente já sabe da dificuldade que há de mão de obra, especialmente mão de obra que demanda força física. Então, há um trabalho importante feito pelas empresas no sentido de automatizar processos, de otimizar processos para que demandem menos desse esforço da mão de obra e, consequentemente, demandem menos de mão de obra. Mas ainda há situações em que a gente se envolve com projetos maiores, que têm durações maiores e que justificam trazer mão de obra do Brasil direcionado para determinados projetos.

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