A insulina análoga de ação prolongada, indicada para o tratamento da diabetes tipo 1, foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2019. Pela legislação, o medicamento deveria estar disponível em até 180 dias, mas, após mais de dois mil dias, pacientes ainda não têm acesso pela rede pública.
Segundo levantamento da Folha de S.Paulo, não é um caso isolado. Pacientes enfrentam dificuldades para ter acesso a medicamentos e procedimentos no SUS. Atualmente, o Ministério da Saúde não oferta pelo menos 76 itens incorporados ao SUS, dos quais 64 já extrapolaram o prazo de 180 dias.
O problema, que atravessa gestões, continua vigente sob a liderança da ministra Nísia Trindade. A lista abrange medicamentos contra câncer, diabetes, hepatites, doenças ginecológicas, além de exames, testes e implantes.
Gestores de saúde e especialistas alertam que essa situação compromete a qualidade dos serviços oferecidos pelo SUS e intensifica a judicialização, problema que o Ministério busca conter pelo impacto no orçamento. A falta de acesso a tecnologias essenciais pode gerar consequências mais graves, como a morte de pacientes.
A reportagem identificou 242 medicamentos e procedimentos incorporados ao SUS de 2018 a 2024, sendo 31,4% (76) ainda não ofertados pela rede pública. Esses 76 itens acumulam média de 648 dias sem serem disponibilizados pelo SUS, mais de três vezes o prazo previsto em lei (180 dias).
Os principais motivos para a demora incluem a falta de assinatura de contrato com a farmacêutica, a necessidade de atualização ou criação de protocolos de uso das tecnologias e a pendência de aprovação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta por representantes da União, dos estados e municípios, etapa essencial no processo de incorporação ao SUS.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a maioria dos 242 medicamentos e procedimentos incorporados já está disponível à população, enquanto os demais estão em fase de aquisição ou elaboração dos protocolos de uso. Acrescentou que tem compromisso com a ampliação da oferta, citando aumento de 63,4% no orçamento da assistência farmacêutica do SUS desde 2022, que passou de R$ 13,4 bilhões naquele ano para R$ 21,9 bilhões em 2024.
A Saúde nega informações completas sobre as incorporações, inclusive via Lei de Acesso à Informação (LAI). A reportagem realizou extensa pesquisa para chegar à listagem. Relatórios elaborados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) indicam que o impacto no orçamento anual para a incorporação de cada nova tecnologia varia, de R$ 5,9 milhões a R$ 347 milhões.
Esse último valor corresponde ao Zolgensma, considerado um dos medicamentos mais caros do mundo, indicado para pacientes com atrofia muscular espinhal (AME). Embora tenha sido incorporado ao SUS em 2022, ainda não está disponível à população.
Vanessa Pirolo, presidente do Vozes do Advocacy, organização que reúne 27 entidades dedicadas às causas do diabetes e da obesidade, afirmou que a Saúde justifica a ausência de insulina para diabetes tipo 1 por falta de recursos. No entanto, ela diz que estudos apresentados ao referido Ministério mostram que os custos associados a internações e complicações do diabetes superam o investimento no medicamento.
Em setembro do ano passado, a Justiça Federal determinou prazo de 90 dias para que a Saúde resolva a situação. Diagnosticada com diabetes aos 19 anos, Vanessa precisou recorrer à Justiça para assegurar o acesso ao tratamento gratuitamente.
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