MP aponta má qualidade da água e Justiça condena concessionária de saneamento de Limeira


Foi relatada presença de substância potencialmente cancerígena durante análise e casos de falta d’água por até quatro dias. BRK garantiu que atende a todos padrões de qualidade. Estação de Tratamento de Água de Limeira
BRK Ambiental
A Justiça de Limeira (SP) condenou a BRK Ambiental, responsável pelo serviço de água e esgoto da cidade, a pagar uma indenização por danos morais coletivos de R$ 300 mil. Também foi determinado que a empresa melhore a qualidade da água fornecida à população e ofereça alternativas de abastecimento em casos de cortes do serviço por mais de 12 horas. Cabe recurso.
A determinação ocorreu em uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), que afirma que a empresa prestou serviço deficiente, com fornecimento de água com má qualidade e interrupções no fornecimento. Ao g1, a BRK garantiu que atende a todos os padrões de qualidade estabelecidos.
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Na sentença, o juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 4ª Vara Cível de Limeira, afirma que foi comprovado nos autos que a água fornecida pela BRK apresentou alterações de odor, sabor e coloração em “diversos momentos”, entre 27 e 28 de setembro de 2019, em outubro de 2019 e dezembro de 2020.
O laudo pericial confirmou que, no final de setembro de 2019, a água apresentou “odor de perfume” e sabor adocicado, em razão da presença de fenol quase quatro vezes superior ao limite estabelecido.
Na ocasião, segundo o magistrado, a própria concessionária admitiu ter constatado uma “queda abrupta” na qualidade da água do Rio Jaguari (queda no parâmetro de oxigênio dissolvido e percepção de odor), tendo recebido cerca de 150 reclamações de consumidores.
Um perito que avaliou o caso esclareceu que o excesso de fenóis na água bruta pode reagir com o cloro utilizado no tratamento do recurso, formando clorofenóis, que podem levar a água a apresentar odores e gostos desagradáveis.
A empresa também admitiu que, após interrupções no fornecimento de energia elétrica em outubro de 2019, a água fornecida apresentou alteração na coloração, especialmente nos bairros mais antigos atendidos por rede de ferro fundido, argumentando que “é comum que detritos se desprendam da tubulação” e que “as partículas de ferro, em contato com o oxigênio, ocasionam uma alteração na coloração para amarelo/avermelhada”, detalha Natal.
O laudo pericial confirmou que, embora a alteração na coloração da água não comprometa necessariamente sua potabilidade quando dentro dos limites estabelecidos pela Portaria do Ministério da Saúde, altas concentrações de ferro “podem alterar odor, sabor e aparência da água”.
Já se estiver acima dos limites, podem causar problemas digestivos, como desconforto abdominal, náuseas, vômitos e diarreia.
Recolhimento de água em estação de tratamento em Limeira
Reprodução/ BRK Ambiental
Presença de substância ‘potencialmente cancerígena’
A decisão também aponta que foi demonstrado que, em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, a água fornecida pela BRK apresentou concentração de trihalometanos (THM) acima do limite estabelecido pelo Ministério da Saúde.
Os trihalometanos são formados quando o cloro utilizado no tratamento da água reage com compostos orgânicos presentes na água bruta, sendo que “quanto maior a dosagem de cloro, maior será a probabilidade de formação de THM”.
O magistrado destaca que trata-se de substância potencialmente cancerígena, “possuindo uma estreita relação com o câncer de bexiga (e em menor escala ao câncer de cólon e de reto)”.
“É de extrema importância o controle de trihalometano total na água, visto que há relatos na literatura de que essas substâncias causam efeitos adversos à saúde humana, já que após a absorção/ingestão elas tendem à bioacumular no organismo, gerando citotoxicidade, genotoxicidade e mutagenicidade, resultando em efeitos cancerígenos”, detalha perito em documento reproduzido na sentença.
“É importante destacar que, conforme apurado pelo perito, a ré não seguiu seu próprio Plano de Contingência, que prevê monitoramento semanal da água bruta em épocas de estiagem, quando é maior a probabilidade de concentração de contaminantes. A ausência desse monitoramento rigoroso impediu a detecção precoce das condições que favoreceram a formação de THM e a consequente adoção de medidas para evitar o problema”, afirma o juiz.
Funcionários da BRK durante atuação em Limeira
João Alvarenga/EPTV
Interrupções no fornecimento de água
A sentença lembra que, em 21 de maio de 2020, ocorreu um incêndio na Estação Elevatória de Água Bruta São Lucas (EEAB São Lucas), única fonte de captação de água superficial da cidade, o que provocou a interrupção total do fornecimento de água em Limeira por aproximadamente 24 horas, persistindo em alguns bairros por até quatro dias.
“A ré sustenta que o incidente decorreu de tentativa de furto de equipamentos e cabos, configurando caso fortuito ou força maior. Entretanto, conforme apurado nos autos, o incêndio não foi causado diretamente pelos criminosos, mas sim pela ação das equipes de manutenção da própria ré que, após constatarem a tentativa de furto, realizaram ‘análises preliminares’ e rearmaram o sistema elétrico, provocando o incêndio, conforme admitido pela própria ré em documentos oficiais”, detalha o juiz.
Em relação a isso, ele aponta que a BRK não seguiu seu procedimento interno, chamado de Plano de Contingência. E que a estação não tinha vigilância presencial, mas apenas remota.
Outra interrupção no fornecimento de água citada ocorreu em outubro de 2020, “em diversos bairros de Limeira”, devido à estiagem que afetou a região.
A BRK alega que se tratou de evento climático excepcional (fenômeno “La Niña”), caracterizando força maior.
“A ré não seguiu seu próprio procedimento,deixando de realizar o monitoramento semanal previsto para épocas de estiagem.Esse monitoramento mais rigoroso poderia ter permitido a adoção tempestiva de medidas para mitigar os efeitos da estiagem no abastecimento de água”, afirma Natal.
Vista área de Limeira
Paulo Henrique Marques/g1
O que foi determinado
O juiz definiu que o valor de R$ 300 mil de indenização deve ser revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos. O fundo tem como finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Entre as determinações à concessionária, estão:
Deixar de fornecer água tratada com concentração de trihalometanos (THM) acima dos limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde;
Deixar de fornecer água tratada fora do padrão para consumo humano;
Monitorar, nos próximos seis meses, a qualidade da água nas estações de água e em ao menos dois pontos finais da linha de distribuição da cidade, apresentando relatório mensal à agência reguladora Ares-PCJ para análise;
Após o prazo de seis meses, estabelecer plano de monitoramento da água bruta, apresentando-o à agência reguladora Ares-PCJ para análise;
Decretar “Estado de Contingência” quando a carga poluidora bruta estiver acima dos padrões estabelecidos;
Adotar medidas de segurança para proteção da Estação Elevatória de Água Bruta do Bairro São Lucas, com a contratação de vigilantes;
Adotar, nas situações de falta d’água por mais 12 horas, medidas alternativas de fornecimento à população afetada, utilizando, se for o caso, caminhões-pipa.
Em caso de descumprimento, foi definida multa de R$ 50 mil por infração constatada.
O que diz a BRK
Em nota ao g1, A BRK informou que atua “com total comprometimento e transparência de suas ações, garantindo a segurança da água distribuída em Limeira, com atendimento a todos os padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde”.
“A concessionária segue acompanhando o andamento do caso e se manifestará dentro do prazo legal”, acrescentou.
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