
Informação sobre doação de campanha faz parte da prestação de contas de Ingrid Benedito, candidata que não teve nenhum voto nas eleições para a Câmara de Vereadores. Ela é vizinha de Simone Campos, que também foi candidata, mas preferiu não fazer campanha na própria rua. A filha de Simone, Ticiane Lima, também foi candidata e é investigada por suspeita de fraudar cota de gênero. Candidata de Nova Iguaçu recebeu verba eleitoral de adversária suspeita de fraudar cota de gênero
O Ministério Público Eleitoral está investigando candidatas de Nova Iguaçu suspeitas de serem de ‘laranjas’ em seus partidos, com o objetivo de fraudar a cota de gênero imposta pela Justiça Eleitoral. A regra determina que todos os partidos ou federações tenham no mínimo 30% de candidatas mulheres na disputa.
Em um dos casos, uma candidata que não recebeu nenhum voto contratou a própria vizinha, adversária política no pleito, para ser sua coordenadora de campanha. A contratada é mãe de uma outra candidata suspeita de burlar a cota de gênero.
A informação sobre a doação de campanha faz parte da prestação de contas de Ingrid Benedito. Ela é vizinha de Simone Campos, que também foi candidata, mas preferiu não fazer campanha na própria rua onde mora. A filha de Simone, Ticiane Lima, também foi candidata e é investigada por suspeita de fraudar cota de gênero. As três são de partidos diferentes.
Os investigadores acreditam que estas candidaturas femininas teriam sido lançadas para cumprir a cota mínima de 30% de mulheres, conforme a lei das cotas eleitorais de gênero.
Candidaturas fictícias, conhecidas como “candidaturas laranjas”, estão enquadradas no crime de falsidade ideológica eleitoral, previsto na Lei nº 4.737.
A punição prevista pelo TSE é a cassação das candidaturas de todos os candidatos da coligação que foram beneficiados, já que, se não fosse pela fraude, não seriam eleitos. Ou seja, em caso de condenação, todos os vereadores eleitos e os candidatos não eleitos de Nova Iguaçu do PSDB, Cidadania e MDB perderiam seus direitos políticos por oito anos.
Vizinhas, adversárias e sem votos
Em dezembro do ano passado, o g1 mostrou que o Ministério Público Eleitoral investigava as candidatas Ingrid Benedito e Karen Santos, da federação PSDB-Cidadania, cuja ausência de votos levantou a suspeita de fraude às cotas eleitorais de gênero.
Além disso, a investigação também apontou para a ausência de atos de campanha e irregularidades na prestação de contas das duas suspeitas.
As duas investigadas são vizinhas de Simone, no bairro Monte Castelo, em Nova Iguaçu. A rua com pelo menos três candidatas ao cargo de vereador não viu nenhum clima de eleição. Outros vizinhos sequer conheciam as candidatas.
O RJ2 esteve no local nas últimas semanas e conversou com moradores. Simone mora a poucos passos de distância de Ingrid. Todos os moradores da rua questionados pela reportagem não conheceram as candidatas.
Candidatas sem campanha
Segundo o MP, as candidaturas de Ingrid e Karen foram fictícias. Elas teriam participado de uma fraude com o objetivo de ludibriar a Justiça em relação ao percentual da cota de gênero.
Ao analisar a prestação de contas, o MP concluiu que elas não fizeram campanha. Os investigadores observaram que elas não fizeram divulgação em redes sociais ou qualquer meio eletrônico, não tiveram qualquer despesa com combustível e não gastaram com advogados ou eventos.
Ainda segundo a promotoria eleitoral, as prestações de contas foram iguais.
Nova Iguaçu sem vereadoras
O estado do Rio de Janeiro teve o pior percentual do país de candidatas mulheres nas últimas eleições, apenas 34,3% de todos os concorrentes do estado.
Com menos mulheres candidatas, menos vereadoras são eleitas. Essa é a realidade vista na Câmara Municipal de Nova Iguaçu, onde há 23 vereadores, nenhuma mulher.
Câmara Municipal de Nova Iguaçu
Reprodução/TV Globo
A cidade dobrou o número de parlamentares na última eleição. Antes, eram 11 vereadores, agora são 23, todos homens.
Investigação complexa
Além do PSDB e Cidadania, o MDB também é acusado de registrar candidaturas fictícias no município.
Simone, que mora em frente à Ingrid no bairro Monte Castelo, não é uma das investigadas. Ela teve 27 votos na eleição.
Contudo, Simone tem forte ligação com outra suspeita. Ela é mãe de Ticiane Lima, que concorreu pelo MDB e está sendo investigada por fraude.
Além dela, Simone é irmã de outras duas candidatas e amiga de outras três. Ao todo, são seis mulheres ligadas a Simone que não tiveram votos na eleição.
Área de atuação diferente
Em contato com a reportagem do RJ2, Simone disse que não fez campanha na rua onde mora porque “não trabalha com eleição” naquele local.
“Aqui não é minha área de serviço. Eu trabalho onde eu atuo, que é a comunidade onde eu ajudo com doação, quando ajudo vizinho com remédio, quando eu socorro os vizinhos onde eu morei há muito tempo”, justificou Simone.
“Eu moro aqui, mas eu não trabalho com eleição aqui”, completou.
Questionada se aquela estratégia não iria diminuir as chances de ser eleita, Simone lembrou que candidatos foram assassinados durante o período eleitoral em Nova Iguaçu.
“Eu tenho meu jeito de trabalhar. Eu trabalho da forma que eu quero, que eu acho correta. Até porque minha vida é uma só. Você já ficou sabendo que vários candidatos foram assassinados só porque trabalharam na área de outra pessoa?”, alertou Simone.
Sobre os R$ 4 mil que recebeu de Ingrid, sua vizinha e concorrente na eleição, Simone disse que a amiga estava com medo de continuar na disputa e por isso a contratou.
“A gente é vizinha. Ela tinha falado que tinha recebido um fundo e que não ia mais, por medo da candidatura. Assassinaram uma colega nossa de trabalho na época. Aí ela começou a ficar com medo e entrou esse fundo (verba eleitoral). Ela fez uma doação e pagou quatro bandeirinhas para mim”, contou Simone.
Segundo Simone, “quatro bandeirinhas” são pessoas que trabalham sacudindo bandeiras para divulgar o nome e número do candidato.
O que dizem os partidos
Em nota, o ex-presidente do MDB de Nova Iguaçu, que estava à frente do partido na última eleição, declarou que cumpriu integralmente a legislação eleitoral e que desconhece qualquer investigação contra o partido.
A equipe do RJ2 não teve retorno dos vereadores eleitos que foram citados.
Já a federação PSDB-Cidadania de Nova Iguaçu informou que não foi citada no processo e, portanto, não pode se manifestar.
A federação declarou ainda que as candidatas mencionadas foram escolhidas em convenção partidária, dentro das normas da Justiça Eleitoral e que desconhece qualquer irregularidade. Desde já, o partido nega as acusações.