
O estado do Rio de Janeiro liderou os furtos de energia elétrica em 2023, segundo levantamento da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Segundo o estudo, 11,27 milhões de megawatts-hora (MWh) foram roubados.
Os dados revelam que a cada 100 imóveis, 34 apresentaram desvios de energia, tanto em comunidades como em áreas nobres.
Diante desse cenário, pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Light, distribuidora de energia do estado, e a empresa TRACEL, desenvolveram um equipamento capaz de identificar desvios de energia com alta precisão e agilidade.
Em entrevista ao Portal iG, o responsável pela criação do equipamento, professor Henrique Henriques, do Programa de Pós-Graduação em Energia Elétrica e Telecomunicações da UFF (PPGEET/UFF), comenta que há três fatores principais que explicam o alto índice de furtos no estado.
“Estudos da UFF em parceria com a Fundação Getúlio Vargas já apontavam uma forte relação entre a violência urbana e os furtos de energia. A situação do Rio de Janeiro, onde grandes áreas são dominadas ou pelo tráfico de drogas ou pela milícia, agrava o problema”, afirma.
Outro fator apontado pelo especialista é a falta de uma estrutura policial específica para dar suporte ao combate dessas irregularidades. “Com a sensação de impunidade, o índice de reincidência é alto, tornando o processo de combate pelas distribuidoras bastante custoso, com grandes investimentos e poucos resultados”, completa.
Os furtos de energia não afetam apenas as distribuidoras, mas também impactam diretamente os consumidores, resultando no aumento das tarifas.
“A agência reguladora, ANEEL, a cada revisão tarifária, faz uma avaliação dos furtos de energia das empresas. Essas perdas, após análise, são classificadas em Perdas Regulatórias e Perdas Reais. As perdas regulatórias são repassadas à tarifa, pois são consideradas como custos não recuperáveis pela distribuidora. Então, de forma simplificada, quanto maior as perdas regulatórias, maior o repasse para as tarifas”, explica Henriques.
Tecnologia contra o crime

A necessidade de uma fiscalização mais eficiente impulsionou a criação de um novo equipamento. Henriques explica que o projeto surgiu para otimizar inspeções e reduzir custos operacionais.
“Como o volume de inspeções em instalações com suspeitas de fraude é muito grande, era necessário reduzir os custos operacionais, aumentando a produtividade das equipes. O equipamento projetado visa exatamente reduzir o tempo de inspeção, melhorar a qualidade dos resultados e diminuir o número de equipes necessárias para cobrir a área de concessão”, explica.
O dispositivo desenvolvido pela UFF funciona com um transmissor instalado no início do ramal onde há a ligação entre a rede da distribuidora e o medidor do consumidor. Um receptor posicionado no medidor analisa se há diferença nos valores de corrente que entram e saem, constatando desvios de energia.
“Em consumidores trifásicos, os dispositivos de cada fase na entrada do ramal se comunicam por Bluetooth e com o dispositivo receptor no medidor via Wi-Fi. No receptor fica o cérebro do sistema. Ele avalia a existência de desvios e a adulteração do medidor do consumidor, seja ele eletrônico ou eletromecânico. Também emite o Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI) e envia os resultados para a distribuidora via internet”, detalha Henriques.
A tecnologia também representa um avanço na velocidade das inspeções. Segundo o professor, o dispositivo apresentou uma eficiência de produção quatro vezes mais rápida e uma taxa de assertividade de 100%. Além disso, o tempo médio das inspeções caiu de 15 a 20 minutos para apenas 3 a 5 minutos – uma redução de 75%.
Desafios para o avanço da tecnologia
Apesar dos benefícios, a implementação da tecnologia ainda enfrenta desafios. “Como toda nova tecnologia, algum investimento adicional, relativo a pequenos ajustes, precisa ser feito para colocar o equipamento no mercado. Depois disso, precisa passar pelos trâmites de homologação no INMETRO”, afirma o professor.
Henriques comenta que a expansão da aplicação do equipamento no Rio de Janeiro dependerá da Light, que financiou o projeto e detém os direitos de comercialização.
“A Light tem prioridade para expandir sua utilização. De nossa parte, UFF e TRACEL, nosso parceiro industrial, estamos à disposição para apoiar em todo o processo, inclusive na interlocução com outros investidores interessados”, acrescenta.
Outro desafio para o setor é a falta de investimentos em pesquisa e inovação no Brasil.
“Se compararmos com o dinheiro investido em universidades na Europa, China, Índia e Estados Unidos, vemos que o investimento aqui ainda é muito baixo. Acho que o fluxo de investimento deveria ser revisto. Talvez uma parceria entre fabricantes e governo poderia compensar essa lacuna, com direitos distribuídos entre os investidores”, sugere Henriques.
O equipamento segue em fase de testes, e a decisão sobre sua produção em larga escala dependerá dos próximos passos da Light. Se implementada em grande escala, a nova tecnologia pode representar um avanço significativo no combate aos furtos de energia e na redução dos impactos financeiros para a população.