Bolsonaro é o 1º ex-presidente a se tornar réu por atentar contra a democracia; Moraes lista crimes do ‘núcleo crucial’ da trama golpista


Após virar réu, Jair Bolsonaro voltou a negar que tenha participado de uma tentativa de golpe e disse que a acusação contra ele é grave e infundada. Bolsonaro é o 1º ex-presidente a se tornar réu por atentar contra a democracia
Por unanimidade, os cinco ministros da Primeira Turma do STF – Supremo Tribunal Federal tornaram réus Jair Messias Bolsonaro e mais sete aliados por tentativa de golpe de Estado. É o primeiro ex-presidente a responder criminalmente por atentar contra o sistema democrático brasileiro.
O julgamento começou com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. Ele listou os crimes apontados pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet, contra os oito acusados de fazer parte do chamado “núcleo crucial” que, segundo a PGR, tramou o golpe:
abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
organização criminosa armada;
dano qualificado;
deterioração de patrimônio tombado;
e golpe de Estado.
Segundo a denúncia, o núcleo crucial é composto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro; os generais da reserva Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Souza Braga Netto; o almirante Almir Garnier Santos; o tenente-coronel Mauro Cid; o deputado federal Alexandre Ramagem; e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Jair Bolsonaro, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Souza Braga Netto, Almir Garnier Santos, Mauro Cid, Alexandre Ramagem e Anderson Torres
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Moraes iniciou lembrando que a acusação descreveu os fatos de forma coerente e que cumpriu o requisito legal de apontar por meio de provas objetivas os crimes cometidos.
“A Procuradoria-Geral da República, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, descreveu satisfatoriamente os fatos típicos e ilícitos com todas as suas circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos motivos e das razões pelas quais foram denunciados. Relembrando que a ‘responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa, liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseado em projeto autoritário de poder enraizado na própria estrutura do Estado e com forte influência sobre setores militares. A organização se desenvolveu em ordem hierárquica e com divisão das tarefas preponderantes em seus integrantes’”, disse o ministro Alexandre de Moraes, relator.
Alexandre de Moraes ressaltou que não se pode esquecer a gravidade dos atos de 8 de janeiro, que, segundo ele, demonstram a materialidade de uma tentativa de ruptura democrática. O ministro afirmou que as pessoas que atacaram os prédios dos Três Poderes não eram inofensivas, nem estavam ali a passeio:
“Não foi um passeio no parque. Ninguém, absolutamente ninguém que lá estava, estava passeando. E ninguém estava passeando porque tudo estava bloqueado. E houve necessidade de romper as barreiras policiais. E as pessoas de boa-fé que têm esse viés de positividade acabam sendo enganadas pelas pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais, passam a querer criar uma própria narrativa, como disse ontem, de velhinhas com a bíblia na mão, de pessoas que estavam passeando”.
Em seguida, Moraes pediu autorização ao presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, para exibir imagens que, segundo ele, comprovam a violência dos atos golpistas. Moraes apresentou uma cronologia de atos antidemocráticos. Mostrou o ataque à sede da Polícia Federal em 12 de dezembro de 2022 – dia em que o presidente Lula e o vice, Geraldo Alckmin, foram diplomados. A tentativa de explodir um caminhão cheio de combustível perto do aeroporto de Brasília, na véspera do Natal também em 2022. Imagens dos acampamentos em frente ao Quartel General do Exército em Brasília com faixas defendendo a ruptura democrática e os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
“Aqui, seguindo o que Procuradoria Geral denunciou, os acampamentos golpistas em que mais de 570 réus confessaram que queriam intervenção militar. Aqui na sequência da denúncia, os atos violentíssimos de 12 de dezembro, no dia da diplomação do presidente e vice eleitos. Se isso não é violência, o que seria uma violência? O absurdo de uma violência programada. Aqui na véspera de Natal, a bomba, o caminhão bomba que colocaram uma bomba. Se explodisse a bomba, centenas – se não milhares de pessoas – morreriam. E aqui o dia 8 de janeiro. Isso não é violência? As pessoas… Ninguém estava passeando, havia uma barreira policial e todos invadiram, agredindo os policiais que jogavam… Vejam, jogavam gás de pimenta. Nenhuma bíblia é vista e nenhum batom é visto nesse momento. Agora a depredação do patrimônio público, ataque à polícia é visto”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro vira réu por tentativa de golpe de Estado com unanimidade dos votos na 1ª Turma do STF
Em seguida, Alexandre de Moraes passou a julgar a denúncia contra cada um dos acusados em ordem alfabética. Em todos os casos, ele rebateu argumentos apresentados na terça-feira (25) pelas defesas.
Começou pelo ex-diretor geral da Abin e deputado do PL Alexandre Ramagem. A denúncia aponta a existência de uma estrutura paralela dentro da agência para investigar adversários políticos e desacreditar as urnas eletrônicas, que serviria de base para o então presidente Jair Bolsonaro questionar o sistema eleitoral.
“O denunciado Alexandre Ramagem, há indícios que devem ser apurados durante a instrução penal, processual penal, foi um dos responsáveis pela estruturação de uma ação conjunta com a finalidade de preparar uma narrativa a ser difundida pelo ex-presidente da República contra as urnas eletrônicas. Não há dúvida que há indícios fortes de autoria da participação de Alexandre Ramagem nessa organização criminosa que planejou e executou a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado”, disse Alexandre de Moraes.
Ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Moraes respondeu à defesa do almirante sobre o fato de a PGR deixar de fora da denúncia os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que também se reuniram com Bolsonaro:
“Quase houve um chamamento à autoria para trazer para denúncia também os outros ex-comandantes militares. Mais ou menos assim, se o almirante Garnier foi denunciado, o ex-comandante do Exército e o ex-comandante da Aeronáutica também deveriam ser. Por que não foram? Porque não há, em momento algum, seja na investigação, seja como ficou apontado na denúncia, nenhum indício de autoria de ambos os comandantes, seja do Exército seja da Aeronáutica. Mas há indícios suficientes de autoria em relação a Almir Garnier Santos”.
Enquanto mostrava o registro de entrada dos militares no Palácio da Alvorada para, segundo a PF, discutir a minuta do golpe, Moraes reforçou que não é normal esse tipo de conversa entre agentes do Estado:
“Apesar de algumas alegações, com todo respeito, de que minutas de golpe são coisas normais, que corriam pela internet, o ministro Flavio Dino até perguntou onde estava essa minuta, essa minuta corria entre autoridades, como se fosse algo normal, todos darem um palpitinho na minuta de golpe, vamos melhorar aqui para o golpe ser um pouco melhor. Não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição se reúna com o comandante do Exército, o comandante da Marinha e ministro da Defesa para tratar de uma minuta de golpe”.
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres. O relator afirmou que o acusado atuou com destaque na divulgação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas. Moraes também citou o exemplo dado pela PGR sobre as operações da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições, que dificultaram o trânsito de apoiadores de Lula.
“E isso também foi gravíssimo, na interferência ilícita nas forças de segurança pública nas eleições de 2022. Demonstrando indícios razoáveis de que Anderson Gustavo Torres teve papel central na concretização do plano com o objetivo da realização de um policiamento direcionado no segundo turno das eleições por parte da Polícia Rodoviária Federal, que está dentro da estrutura hierarquicamente subordinada ao ministro da Justiça”, afirmou Alexandre de Moraes.
Alexandre de Moraes, ministro do STF
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O general da reserva Augusto Heleno. Segundo o ministro, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional tinha conhecimento da minuta do golpe e ajudou a estruturar o sistema de desinformação das urnas eletrônicas. Moraes também citou uma declaração de Augusto Heleno durante uma reunião ministerial, em julho de 2022, sobre a infiltração de agentes da Abin em campanhas eleitorais:
“‘Então, a gente conversa em particular na nossa sala lá sobre esse assunto’. Qual assunto? Infiltração de agentes da Abin na campanha eleitoral. ‘Então, a gente conversa em particular na nossa sala lá sobre esse assunto, o que porventura a Abin está fazendo’. Então há todos os elementos razoáveis e indícios de autoria para o recebimento de denúncia contra Augusto Heleno”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro. O relator afirmou que, ao contrário do que disse na terça-feira (25) o advogado de defesa, os autos apontam provas de que Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e que a primeira etapa do plano golpista foi colocada em prática pelo ex-presidente ainda em 2021, quando ele passou a dar declarações para desacreditar as urnas eletrônicas e atacar o STF – Supremo Tribunal Federal.
“Há indícios razoáveis de recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República que aponta Jair Messias Bolsonaro como líder da organização criminosa, demonstrando a participação do ex-presidente da República com os elementos de prova colhidos na investigação da Polícia Federal. A denúncia detalha essa participação, detalha os atos executórios. Em 2021, Jair Messias Bolsonaro começou a organizar uma estratégia para difundir notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro”, disse o ministro Alexandre de Moraes.
O ministro lembrou, por exemplo, da participação do então presidente em uma manifestação com teor golpista em 7 de setembro de 2021.
“Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”, disse Jair Bolsonaro na ocasião.
“Em 7 de setembro de 2021, todos se recordam, na Avenida Paulista, que o então presidente Jair Bolsonaro, após algumas palavras carinhosas em relação à minha pessoa, disse que a partir daquele momento não cumpriria mais ordem judicial”, disse Alexandre de Moraes.
Bolsonaro é o 1º ex-presidente a se tornar réu por atentar contra a democracia; Moraes lista crimes do ‘núcleo crucial’ da trama golpista
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Alexandre de Moraes também lembrou de uma reunião de Bolsonaro com embaixadores, na qual o então presidente usou o Palácio da Alvorada e a estrutura do governo para repetir mentiras sobre a confiabilidade das urnas. Por causa dessa reunião, o Tribunal Superior Eleitoral condenou o ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, e o tornou inelegível por oito anos.
“Essa reunião, usando com desvio de finalidade os bens e serviços públicos, foi transmitida em live e divulgada nas redes sociais como uma reunião onde o presidente e os embaixadores estavam discutindo que há fraude nas eleições brasileiras”, disse Alexandre de Moraes.
Moraes afirmou ainda que Bolsonaro teve conhecimento da Operação Punhal Verde Amarelo, para matar, entre outras autoridades, o presidente Lula e o próprio Alexandre de Moraes. Também disse que Bolsonaro trabalhou na minuta do golpe:
“Não há nenhuma dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta do golpe. Isso não há dúvida. O fato, as interpretações sobre o fato vão ocorrer durante a instrução processual penal. Se ele analisou e não quis, se analisou e quis, isso será em um juízo de culpabilidade”.
Tenente-coronel Mauro Cid. Alexandre de Moraes foi sucinto: disse que o militar confessou os crimes em depoimento de colaboração premiada.
Ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Alexandre de Moraes rebateu a defesa que, na terça-feira (25), afirmou não ter justa causa contra o militar. O relator disse que Paulo Sérgio teve contato e discutiu a minuta do golpe e que alterou, a pedido de Bolsonaro, o relatório do Ministério da Defesa para jogar dúvidas sobre a lisura das urnas eletrônicas.
“Essa missão dada pelo então presidente Jair Bolsonaro era comprovar fraude nas urnas. Essa comissão chegou a uma conclusão: não há nenhuma fraude, não houve nenhuma fraude, não houve nenhum indício, mero indício de fraude. O presidente Jair Bolsonaro proibiu o então ministro da Defesa de apresentar essa conclusão ao Tribunal Superior Eleitoral. Sabemos que um general quatro estrelas, ministro da Defesa, ele poderia se recusar a cumprir uma ordem manifestadamente ilegal do Presidente da República”, afirmou Alexandre de Moraes.
General da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, e candidato a vice na chapa liderada por Bolsonaro. O ministro descreveu como, segundo a PGR, o militar também atuou para insuflar os movimentos golpistas:
“Foi descrita a participação de Walter Souza Braga Netto na incitação de movimentos populares e o que eu acabei de dizer, aquele vídeo em que Walter, general Braga Netto, conversa com manifestantes em frente ao quartel e afirma para os mesmos terem esperança, porque ainda não havia terminado e algo iria acontecer”.
Moraes também lembrou a acusação da PGR sobre uma reunião golpista na casa de Braga Netto:
“Onde apresentou a minuta do golpe de Estado. Tem os depoimentos, tem o georreferenciamento, tem o certificado de entrada no Palácio do Planalto. Então, além das provas independentes e autônomas, além dos depoimentos do colaborador, a comprovação dessas afirmações feitas pelo colaborador”.
Depois de quase duas horas de apresentação do voto, o ministro-relator, Alexandre de Moraes, concluiu pela aceitação da denúncia contra os oito acusados. Alexandre de Moraes afirmou que a Procuradoria-Geral da República apresentou elementos suficientes para torná-los réus com a abertura da ação penal.
Ministros votam
Bolsonaro é o 1º ex-presidente a se tornar réu por atentar contra a democracia; Moraes lista crimes do ‘núcleo crucial’ da trama golpista
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Depois do relator Alexandre de Moraes, os outros ministros da Primeira Turma votaram.
O ministro Flávio Dino disse que não há dúvida da materialidade da tentativa de golpe de Estado.
“O eixo central das sustentações orais, de um modo geral, das defesas não foi tanto descaracterizar as materialidades e, sim, afastar autorias, afastar os seus patrocinados, seus clientes do itinerário delituoso ou em tese delituoso, o que também obviamente corrobora a densidade desse acervo probatório que foi muito bem escandido e delineado pela Procuradoria-Geral da República e pelo relator,” disse Flávio Dino, ministro da Primeira Turma do STF.
Dino lembrou o golpe militar de 1964 para afirmar a gravidade do 8 de janeiro:
“E se diz também, querido ministro Fux, ‘mas não morreu ninguém’. No dia 1º de abril de 64, também não morreu ninguém, mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata, não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”.
Dino ressaltou que a lei pune a conduta de quem atenta contra a democracia ou contra o governo eleito, e que se fosse o golpe fosse consumado, não haveria julgamento. O ministro seguiu o relator para aceitar a denúncia.
Em seguida, foi a vez do ministro Luiz Fux. Ele classificou todo ataque ao Estado Democrático de Direito como repugnante e inaceitável.
“Esses episódios contra nossa democracia e contra o Estado Democrático de Direito vão ser marcantes dia após dia. Então, todos os dias serão dias da lembrança de tudo o que ocorreu. E, por isso, não se pode, de forma alguma, dizer que não aconteceu nada. É absolutamente impossível afirmar isso,” declarou Luiz Fux, ministro da Primeira Turma do STF.
Fux lembrou que o processo está em fase inicial e disse que vai analisar com mais profundidade os fatos narrados na denúncia e os critérios da lei para o crime de tentativa de golpe de Estado:
“Nós estamos em uma fase para verificação dos indícios de autoria e da materialidade dos delitos. Essa é uma fase ainda inicial. Portanto, em relação à autoria e materialidade, o relator e o Ministério Público legaram à turma e à sociedade tudo quanto nós precisávamos saber para o recebimento da denúncia. Então, eu quero acompanhar o eminente relator, nos termos do seu voto e, ao mesmo tempo, dizer que nós devemos ainda manter a grande e extraordinária esperança de que nosso país continuará a viver um Estado Democrático de Direito, onde se garante justiça, segurança, verdade e liberdade,” afirmou Fux.
Ao seguir o relator, o voto de Fux formou maioria para aceitação da denúncia.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia citou as tentativas do grupo de minar a credibilidade do sistema eleitoral e os ataques à democracia.
“Na denúncia apresentada pelo professor Paulo Gonet, pelo procurador-geral da República, se eu começar a ler e quem assistir esse filme de trás para frente, do dia 8 de janeiro, nós em uma situação realmente de servidores públicos como somos nós no Supremo e que estávamos também, pelo menos parte de nós no Tribunal Superior Eleitoral, nós sabemos o que foi viver, né ministro Alexandre, o tempo todo com ruido de baixo dos pés. As pessoas não entendiam, mas que não parecia que estava todo mundo acolhendo tranquilamente, embora não houvesse nada formalizado porque não se formaliza golpe”, disse Carmen Lúcia, ministra da Primeira Turma do STF.
A ministra rejeitou qualquer tentativa de minimizar os fatos de 8 de janeiro:
“Naquele dia na frente ou dentro do Supremo ou do Palácio do Planalto ou do Congresso Nacional, não morreu alguém. Ditadura mata, ditadura vive da morte, não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de carne e osso, que são torturados, mutilados, assassinados toda vez que contrariar o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio interesse, não é para o bem público, não é para o benefício de todos. Portanto, este é um assunto gravíssimo. Isto não aconteceu por uma festinha do final de tarde que por uma coincidência todo mundo resolveu visitar Brasília, e aí aproveitou com pau, pedra… Quem chegou aqui no dia 9 de janeiro há de se lembrar que era impossível não ter sido planejado e provocado. Alguém planejou, alguém tentou, alguém entrou, alguém executou. Nós precisamos saber isso. É preciso que o Brasil conheça, que o Brasil saiba o que aconteceu e quem praticou o crime tem que pagar pelo crime cometido”.
O último a votar foi o presidente da turma, ministro Cristiano Zanin. Ele afirmou que a investigação reuniu elementos que permitem a aceitação da denúncia e a abertura do processo.
“Há, sim, uma série de elementos aqui a amparar a denúncia que estamos aqui a analisar. Como disse ontem, longe de ser uma denúncia amparada exclusivamente em uma delação premiada, o que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, dispositivos, enfim, diversos materiais que dão amparo àquilo que foi apresentado pela acusação”, disse Cristiano Zanin, ministro da Primeira Turma do STF.
Zanin também afirmou que os fatos narrados são extremamente graves e que a autoria de cada denunciado será avaliada ao longo da instrução do processo. O ministro ressaltou ainda que o Código Penal prevê que quem colabora com um crime, de qualquer maneira, também está sujeito à punição.
“Ao meu ver, não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de janeiro se ela participou de uma série de atos que culminaram nesse evento que, em tese, é compatível com os delitos descritos pela Procuradoria-Geral da República na denúncia,” explicou Zanin.
Assim, de forma unânime, por cinco votos a zero, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete denunciados viraram réus. Eles vão responder pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Com a decisão desta quarta-feira (26) da Primeira Turma, Jair Bolsonaro é o primeiro ex-presidente da República a se tornar réu sob a acusação de atentar contra o regime democrático. A partir de agora, o processo entra em uma fase de análise de provas, depoimentos de testemunhas e interrogatórios dos réus. Depois, os ministros farão outro julgamento para decidir quem deve ser absolvido ou condenado.
Quem são os sete aliados que viraram réus com Bolsonaro por tentativa de golpe
Jair Bolsonaro
O primeiro ex-presidente do Brasil a se tornar réu por atentar contra a democracia se manifestou logo depois da decisão do STF. Jair Bolsonaro voltou a negar ter participado de uma tentativa de golpe e disse que a acusação contra ele é grave e infundada.
O ex-presidente acompanhou o julgamento no Senado, com parlamentares, no gabinete do filho, o senador Flávio Bolsonaro, do PL. Jair Bolsonaro não foi ao STF – Supremo Tribunal Federal como na terça-feira (25).
Assim que terminou o julgamento no STF, advogados de Jair Bolsonaro foram para o gabinete de Flávio Bolsonaro. Com o ex-presidente e aliados, acertaram o tom do pronunciamento que o ex-presidente fez à imprensa, criticando a decisão da Primeira Turma do Supremo que o tornou réu.
Já como réu, no pronunciamento, Bolsonaro negou que tenha participado de uma tentativa de golpe de Estado:
“Eu espero, hoje, colocar um ponto final nisso aí. Parece que tem algo pessoal contra mim. E a acusação é muito grave e são infundadas”.
Jair Bolsonaro
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A acusação tem como base a denúncia do procurador-Geral da República. Segundo Paulo Gonet, o ex-presidente integrou uma organização criminosa com o objetivo de mantê-lo no poder e que ele, Bolsonaro, era o líder da organização. Bolsonaro disse que pediu a desmobilização de movimentos que queriam a intervenção militar no país.
“No dia 2 de outubro, 2 de novembro. Alguns de vocês estavam na Alvorada, e eu fiz um pronunciamento à nação. Coisa rara, né? Eu fiz um pronunciamento lido à nação. Eu vou ler apenas um parágrafo desse pronunciamento, que infelizmente não está no inquérito do ministro Alexandre de Moraes. Terceiro parágrafo, bem curtinho: ‘As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio, cerceamento do direito de ir e vir’. Ato contínuo, começamos a transição. Alguns dias depois desse pronunciamento, os caminhoneiros começaram a obstruir vias pelo Brasil. Eu fiz um vídeo pedindo para que eles se desmobilizassem. Eu não tinha intenção nenhuma em parar o Brasil, criar o caos, ou estar pensando em outra coisa. Eles cumpriram esse pedido meu. E, na verdade, o resumo que eles falaram é o seguinte: golpe tem povo, mas tem tropa, tem armas e tem liderança. Dois anos de investigação, não descobriram quem por ventura seria esse líder”, disse Jair Bolsonaro.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República afirma que Bolsonaro não tomou ações para tirar acampamentos golpistas da frente dos quartéis. Paulo Gonet afirmou ainda que Bolsonaro ordenou que o Ministério da Defesa emitisse uma nota visando a dar aos apoiadores do golpe a aparência de que as Forças Armadas acolhiam e incentivavam os acampamentos espalhados pelo país.
Bolsonaro disse que colaborou com a transição do governo dele para o de Lula e que ainda indicado, o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, pediu o apoio dele, Bolsonaro.
“Ele foi pedir um apoio para mim, para que tivesse mais acesso aos respectivos ministérios. No dia seguinte, ele foi atendido em tudo. Voltou depois. Entrou em contato conosco e pediu que eu nomeasse os comandantes militares indicados pelo presidente eleito Lula da Silva. Foi o que eu fiz. Em dezembro, nomeamos dois comandantes”, afirmou Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro
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Na denúncia, o procurador Paulo Gonet afirma que durante o período de transição, o ex-presidente Jair Bolsonaro manteve reuniões com assessores e militares para tramar o golpe de Estado.
Bolsonaro também falou sobre a minuta do golpe. Ele disse que não assinou e que nem convocou os Conselhos da República e da Defesa para dar andamento à ideia:
“E o decreto estava pronto para eu assinar. Seria, então, se eu assinasse, o início do golpe, segundo o ministro-relator, configurou-se o golpe a partir desse momento. Mas antes de uma hipotética assinatura de um decreto de estado de defesa, como está no artigo 136 da Constituição, o Presidente da República tem que convocar os Conselhos da República e da Defesa. Aí seria o primeiro passo, não adianta botar um decreto na frente do presidente, estado de defesa, e assinar e está tudo resolvido. Não convoquei os Conselhos da República e da Defesa, nem ato preparatório houveram para isso”.
Ao votar nesta quarta-feira (26), o ministro Alexandre de Moraes disse que não é normal um presidente derrotado nas urnas discutir minutas golpistas. Na denúncia, o PGR afirma que essas minutas foram apresentadas pela organização criminosa às mais altas autoridades militares e que quando um presidente da República reúne a cúpula das Forças Armadas para expor planejamento minuciosamente traçado para romper a ordem constitucional, tem-se ato golpista em curso, que só não foi consumado porque não teve apoio das Forças Armadas.
O STF – Supremo Tribunal Federal afirmou que eventuais questionamentos de réus vão ser respondidos no processo.
Outros réus
O advogado de Braga Netto declarou que a decisão desta quarta-feira (26) do STF apenas inicia a ação penal e que vai apresentar provas para inocentá-lo.
A defesa de Alexandre Ramagem afirmou que não há elementos que vinculem Ramagem aos crimes narrados pela PGR e que confia na isenção e na capacidade dos ministros do STF.
A defesa de Almir Garnier declarou que não há prova, que vai demonstrar isso no julgamento e que Garnier vai ser absolvido.
O advogado de Paulo Sérgio Nogueira afirmou que só vai se manifestar nos autos.
A defesa de Augusto Heleno não quis se manifestar.
O Jornal Nacional não teve resposta das defesas de Mauro Cid e Anderson Torres.
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