TJRJ condena por racismo editores por divulgação e venda de livro nazista, em ação iniciada 20 anos atrás


Processo iniciado em 2005 é considerado um dos mais antigos relacionados ao antissemitismo na Justiça brasileira. Para advogado, ‘a punição é educativa e não vingativa’. Livro Mein Kampf (Minha Luta), escrito por Hitler
Adam Jones/Creative Commons
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou os irmãos Adalmir e Almir Caparros Fagá, sócios da Editora Centauro, de São Paulo, por racismo pela divulgação e venda de um livro com conteúdo nazista.
A condenação é sobre divulgação, venda e opinião em site do livro “Protocolos dos Sábios do Sião”, apócrifo, que traz mensagens discriminatórias contra os judeus.
O caso motivou uma denúncia da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, na época, que deu início ao que se tornou um dos processos mais antigos sobre antissemitismo na Justiça brasileira.
O processo também cita que o livro e “Main Kampf”, de Adolf Hitler, teriam sido expostos na Bienal do Livro de 2005. A editora, segundo a ação, realizou campanha na internet, por meio da página oficial da editora e em mídias sociais, em que reforçava as mensagens preconceituosas.
A confirmação da sentença na 1ª Câmara Criminal aconteceu na sessão de 11 de março. Por unanimidade, os desembargadores Pedro Raguenet e Katya Monnerat seguiram a desembargadora Ana Paula Abreu Filgueiras.
O g1 procura por Almir e Adalmir Fagá sobre o caso. No processo, a dupla explicou que não participou da Bienal do Livro, de 2005, e que a sua editora, a Centauro, publica livros em diversas áreas (leia a íntegra da defesa no fim desta reportagem).
Idas e vindas do processo
Demorou 20 anos para o caso chegar a uma solução. A análise do caso começou com a denúncia antissemita, em 2005. Quatro anos depois, em 2009, houve a primeira condenação com penas de dois anos de reclusão.
Em 2010, o TJRJ anulou o processo por entender que o caso já havia sido julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo, que tratava apenas sobre o livro de Hitler.
No julgamento do TJ do Rio de Janeiro, a audiência teve entre os presentes o polonês Aleksander Laks, então, com 84 anos. O escritor, sobrevivente do Holocausto, precisou subir quase 10 andares de escada até a sala de audiências e desabafou aos gritos com a anulação do processo.
Laks morreu 5 anos depois, em 2015, sem ver o caso solucionado.
O sobrevivente do holocausto Aleksander Laks dá palestra para vestibulandos de Campinas
Virgginia Laborão / G1
O processo subiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, no mesmo ano, os ministros mantiveram a decisão do TJRJ, por 3 votos a 2.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Tribunal do Rio julgasse novamente o caso.
Passados 20 anos, com 10 presidentes diferentes do TJRJ depois e com uma nova composição da Câmara Criminal, o entendimento sobre o caso foi diferente: agora pela condenação dos irmãos Fagá.
Eles foram condenados a dois anos de reclusão que será substituída por restrição de direitos como prestação de serviços à comunidade e pagamento de 10 salários mínimos, algo equivalente a R$ 15 mil. Não houve manifestação das defesas dos réus em recorrer da decisão.
Para o advogado Ricardo Sidi, a condenação é “educativa e não uma vingança”:
“Esse caso é emblemático porque mostra a evolução da Justiça. Há 20 anos era muito difícil perceber o racismo, que é um crime imprescritível. A decisão não é vingança, é educativa com uma função social e que demonstra a gravidade desse crime”.
O que dizem os réus
Os irmãos Fagá são procurados pelo g1.
No processo, a defesa de Adalmir Fagá rebateu as acusações em diferentes pontos:
“a) Que sua editora não participou da Bienal do Livro no Rio de Janeiro em 2005;
b) Sua editora publica livros em diversas áreas, tais como História, Filosofia e Psicologia, sendo certo que não há nenhuma proibição para a publicação do livro “Os protocolos dos Sábios de Sião”, que já consta como obra literária rara catalogada na Biblioteca Nacional há cerca de setenta anos, tendo inclusive sido publicada na Rússia entre 1902 e 1905, existindo até mesmo exemplar no Museu Britânico;
c) Confirmou que o livro estava à venda na época dos fatos e que a empresa tem um distribuidor em cada Estado da Federação;
d) Quanto à mensagem na Internet, disse que se tratava apenas de um “resumo da obra” para que o leitor pudesse saber o tipo de assunto a que se referia o livro, bem como que não induzia ninguém às práticas contidas no mesmo;
e) Revelou que o livro em questão é de domínio público e que não o editou para ficar à margem da lei, ressaltando que citada obra está publicada na Rússia e é divulgado em “sites” do mundo todo, não havendo qualquer proibição legal para sua publicação; em que pese dizer-se que a obra é apócrifa, segundo ele, o historiador Gustavo Barroso e outros imputam a autoria a um Judeu, cujo nome não se recordou;
f) No que tange ao livro ‘Minha Luta’`, de Adolf Hitler, é certo que as perguntas e as respostas são desimportantes, tendo em vista que a venda de tal livro foi excluída a acusação;
h) No que tange ao seu irmão e também réu, revelou que somente atua na esfera comercial da empresa, tendo ele (Ademir) assumido a responsabilidade sobre a escolha das publicações;
i) Disse também que desconhece qualquer tipo de restrição no Brasil, ou no exterior, quanto à publicação do livro em tela, bem como que recebera carta ameaçadora do Presidente da Federação Israelita determinando que retirasse o livro de circulação;
j) Revelou ainda que o livro em questão foi publicado no Brasil, pela primeira vez, em 1936, e que teria sido comentado por Gustavo Barroso;
k) No que tange ao perfil dos compradores dos livros que edita, disse serem professores, estudiosos e pesquisadores, aduzindo ainda que a editora Anita é cliente de sua empresa e pode ter adquirido o livro em tela para revenda;
l) Por fim, disse que no Rio de Janeiro alguns donos de livraria teriam sofrido constrangimentos por parte de pessoas de origem judaica por estarem vendo o livro em questão.”
A defesa de Almir Fagá apresentou no processo a defesa a seguir:
“a) Negou que a Centauro tenha participado da Bienal do Livro no Rio de janeiro em 2005 e disse que, quanto ao texto que consta do “site”, tem apenas o objetivo de esclarecer o público no tocante ao conteúdo do livro e para chamar a atenção sobre uma época de mais de 100 anos atrás;
b) Negou qualquer tipo de intenção de discriminar raça ou etnia e disse que suas atribuições na empresa são apenas as de cunho administrativo, sendo que a tarefa de edição fica a cargo do réu Ademir,
c) Quanto ao Sr. Osias Wurman, em que pese dizer não tê-lo conhecido pessoalmente, disse ter algo contra ele, eis que o mesmo teria remetido missiva à Centauro determinando a retirada dos livros de circulação, sob pena de serem processados;
d) Quanto à iniciativa de publicação do livro pela primeira vez pela Centauro, disse não saber, porque ele e Ademir herdaram a editora de seu pai desde 2002 e o livro em tela já estava no catálogo;
e) Entretanto, disse que não é comum que publiquem livros apócrifos;
f) Revelou ainda que o livro incriminado é muito procurado, inclusive por estudantes, negando ainda que a editora Centauro tenha caráter ideológico;
g) Por derradeiro, no que tange ao Orkut, disse ter sua página e ainda ter colocado o livro incriminado nela, porque o comercializava à época, mas negou qualquer envolvimento com comunidades racistas ou neonazistas, dizendo que não pode impedir que visem sua página e é possível que tenham inserido alguma matéria preconceituosa no citado sítio virtual.”
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