Star Trek é uma utopia divertida, o que é raro. Utopias são em geral entediantes, mas quando todo dia é uma invasão Borg, sondas atrás de baleias, espiões romulanos ou revoltas de androides, o povo tem com que se distrair naquela sociedade pós-escassez.
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Fascinante e delicioso (Crédito: Stable Diffusion)
Em Star Trek a humanidade evoluiu para uma sociedade sem o conceito de dinheiro. Perguntado como isso funcionaria, um dos roteiristas respondeu que se soubesse estaria a caminho de Estocolmo para receber um Nobel de Economia.
Nas palavras de Jean-Luc Picard:
“A economia do futuro é um tanto diferente. Veja, o dinheiro não existe no século XXIV. A aquisição de riqueza não é mais a força motriz em nossas vidas. Trabalhamos para nos aprimorar e para o bem do resto da humanidade.”
Dinheiro ou não, tudo tem um custo, então resolvi fazer as contas para calcular o custo de algo bem prosaico: um hambúrguer, algo que qualquer pessoa pediria a um replicador, aqueles equipamentos que sintetizam alimentos, ferramentas, armas, basicamente qualquer objeto.
Um replicador converte energia em matéria, seguindo a clássica equação de Albert Einstein, E = mc2. A beleza é que como toda equação, ela funciona nos dois sentidos. Matéria pode ser convertida em energia, e energia em matéria.
Isso não é ficção científica. Em aceleradores de partículas a energia cinética é transformada em partículas após as colisões. O que um replicador faz, através da magia da ficção científica, é converter energia em matéria especializada e organizada. Só que isso demanda energia. Muita energia.
Quanta energia?
Isso é surpreendentemente simples de calcular. Peguemos de novo E = mc2
Na equação E, a energia, é expressa em joules, m é a massa em kg e c é a velocidade da luz, em metros por segundo.
NOTA: 1 joule é uma unidade de energia equivalente a uma força de 1 Newton aplicada por uma distância de um metro. Ao pegar uma maçã no chão e erguê-la a uma altura de 1 metro, você é 1 joule de energia.
Um hambúrguer simples tem massa de uns 200 g. Para calcular a energia em joules em 200 g de matéria, apliquemos a equação:
E = 0,2 × (3 × 108)2
O resultado dá:
E = 1,8 × 1016 joules
18.000.000.000.000.000 em notação normal.
Quanto custaria isso? Primeiro temos que converter para kilowatts-hora. A fórmula é simples:
1 kWh = 3,6 × 106 joules
Usando os valores, vamos dividir o total de joules para obter o número de kWh:
Energia em kWh = 1,8 × 1016 / 3,6 × 106
Energia em kWh = 5 × 109 kWh
Nos EUA o kWh custa em média US$ 0,19, portanto, a energia usada para nosso hambúrguer custaria…
5 × 109 × 0,19
O que dá… US$ 950.000.000
Agora que cobrimos o clickbait, vamos ao mais importante: 1,8 x 1016 joules é energia bagarai, para usar termos científicos. Em termos de comparação, equivale a:
- 476.000 lares nos EUA por um ano;
- 0,125% do consumo anual total de eletricidade dos EUA;
- Mais do que a produção anual da represa Hoover;
- 500 lançamentos do Ônibus Espacial;
- 28% de uma bomba nuclear do tamanho de Hiroshima;
- 166 dias das necessidades energéticas da cidade de Nova York.
Cada vez que o capitão Kirk come um steak, ele está consumindo mais energia do que Nova York do Século XXI consome em um ano. Imagine todas as unidades replicadoras nas naves da Federação. Quanta energia foi gasta sintetizando todos os shuttles que a Voyager vivia perdendo.
Óbvio que Star Trek não paga por energia o mesmo que americanos médios de 2025, mas esse não é o ponto. Dinheiro nunca foi o ponto, a sociedade utópica pós-escassez de Star Trek não existe por ausência de dinheiro; existe por abundância de energia.
É o equivalente à capacidade de processamento. Hoje fazemos coisas triviais com nossos celulares cuja matemática básica remonta há décadas, até séculos, mas que o custo de computação seria proibitivo, ou apenas impossível.
A Transformada Rápida de Fourier é um algoritmo que é a base de boa parte de tudo que você faz com seu celular, foi criada por Gauss em 1805, e em teoria é simples, veja:
Na prática, envolve intermináveis cálculos, e os dispositivos mecânicos d’antanho nem sonham ser capazes de aplicá-la a dados em tempo real como filtro de voz e vídeo, por exemplo.
O equivalente energético significaria que ao invés de gastar US$ 1.000 criando um ar-condicionado com 60% de eficiência, poderíamos ter equipamentos de US$ 50 com 5% de eficiência. Se energia é abundante e gratuita, podemos cortar custos em outras áreas.
Reciclagem é um processo que demanda muita energia e raramente é economicamente viável. Com energia infinita, podemos reciclar qualquer coisa, podemos literalmente fazer combustível do ar.
Carregadores elétricos por indução são terrivelmente ineficientes, mas com energia abundante, poderiam existir em todas as estradas, todas as mesas. Baterias só existiriam para emergências.
Por isso em Star Trek ninguém anda com cabos recarregando seus equipamentos. Faz mais sentido todo equipamento compartilhar energia com outros à sua volta, e carregar sem fio, quando perto de alguma superfície ou campo de carga.
De onde vem essa energia?
Isso nunca é explicado em Star Trek. Nas naves a principal fonte de energia é o Reator de Dobra, que converte matéria e antimatéria em energia, mas a conta não bate. Produzir antimatéria demanda MUITA energia, e custa caro. Em teoria 1 g de antimatéria custaria hoje US$ 62,5 trilhões. A energia para produzir 1 g de antimatéria mesmo com 100% de eficiência seria a mesma energia obtida aniquilando 1 g de antimatéria, então troca-se seis por meia dúzia.

Em Star Trek: Into Darkness o Núcleo de Dobra da Enterprise foi filmado no National Ignition Facility, um laboratório tão avançado que basicamente não mexeram em nada para parecer futurista (Crédito: Reprodução/Paramount)
No mundo real, o mais próximo que temos de energia abundante é a fusão nuclear, mas apesar dos investimentos pesados no mundo inteiro, as projeções mais otimistas jogam a chegada de fusão nuclear em escala comercial para YEAR(NOW())+20, no mínimo.
Conclusão
A utopia de Star Trek do fim da escassez demanda energia infinita, ou quase. Somente energia infinita garante recursos infinitos e renováveis, mas mesmo que não cheguemos a tanto, fontes como fusão nuclear e painéis solares orbitais altamente eficientes podem nos colocar muito mais próximos desse futuro Star Trek do que simplesmente “eliminar o dinheiro”, se bem que essa parte eu já fiz.
Star Trek e o Hambúrguer de Um Bilhão de Dólares