Apesar de divergências, gênero passou a dialogar com variados sons
Renato Cordeiro – Repórter da Rádio Educadora FM da Bahia
Publicado em 03/03/2025 – 10:28
Salvador
© Rovena Rosa/Agência Brasil
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O auge do Axé como fenômeno do mercado fonográfico ocorreu paralelamente à tensão com a música independente baiana.
Artistas que não se identificavam parcial ou totalmente com o som que fazia a festa nos trios e blocos, muitas vezes se diziam incomodados com a falta de espaço para se apresentar, mesmo fora dos períodos de folia.
Mas, passados 40 anos, a relação mudou com o surgimento de gerações de artistas independentes que guardam o Axé como uma memória capaz de dialogar com variados interesses musicais.
A cantora Márcia Castro é um exemplo. Em 2021, ela gravou o álbum Axé, inspirado no cancioneiro do Carnaval de Salvador, com participações de Margareth Menezes, Daniela Mercury e Ivete Sangalo.
Em 2024, a mesma artista revisitou a cena no LP Roda de Samba Reggae, incluindo releituras de hits gravados pelo Chiclete com Banana e Cortejo Afro, entre outros.
Márcia Castro lembra que a relação com o Axé passou por um caminho de repulsa, reavaliação e respeito, trilhado desde a adolescência.
“Eu era meio contra a cultura na Bahia, no sentido de não ver possibilidade de fazer música se não fosse Axé Music. O Axé começou a entrar em um formato e padrão musical muito complicados. A indústria começou a tomar conta, né? Detestava mesmo o gênero, porque ele foi tão mercantilizado que a questão identitária e cultural foi se perdendo. Então, ser contra isso era ser contra essa cultura hegemônica dominante do Axé na Bahia. Durante muito tempo, fui contra essa cultura do Axé”.
Márcia lembra ainda que em sua adolescência andou pelos caminhos da MPB, mas com tendência por essa Bahia mais pulsante e seminal.
“Hoje, entendo isso. Na verdade, eu não gostava e me colocava contra esse grande sistema industrial que padronizou e embranqueceu uma música preta, entendeu? Criou padrões estéticos, visuais e de mercado muito difíceis para outros artistas que não se enquadravam nisso. Então, ficou como um monopólio, um cartel, né?
Para ela, eram poucos empresários dominando um mercado muito grande e ditando normas e narrativas desse movimento. “Isso foi muito complicado. Nesse sentido, fui muito contra a cultura. Hoje, percebo as coisas de outro jeito. Minha visão musical com relação à mercantilização do Axé continua a mesma. Mas, agora, consigo tirar esse véu, olhar por detrás dele e ver a riqueza dessa obra musical, a força desse movimento e sua importância para a cultura, a música e a economia baiana como um todo.”
A cantora e compositora Ayassi também percebe valor tanto na dimensão artística das canções quanto no aspecto político de alguns nomes e marcos do Axé. Em 2023, ela gravou Se Você Se For, da Timbalada, com citação a outro hit do grupo, Meia Hora, e misturou diversas referências musicais.
“Nessa versão de Se Você Se For, a gente mistura Timbalada com o samba de roda do Recôncavo e até com Michael Jackson. Trazemos um pouco dessa influência na minha loucura musical, né? Paulo Mudi, que produziu comigo, entende bem isso. Timbalada está muito presente em mim até hoje. Daniela também, claro, com toda sua inovação musical e, principalmente, seu ativismo cultural, que, com certeza me inspiram. Ivete também é uma super inspiração. Eu sou cria do carnaval, curto muito, sou foliã. Ser cantora de trio não tem como não estar ligada a memórias de vida que essas canções me trazem, ainda mais sendo baiana.”
Outra artista independente que prestou reverência à Timbalada foi a cantora, compositora e violonista Josiara. Em 2024, ela lançou Mandinga Multiplicação – Josiara Canta Timbalada, incluindo sucessos como Margarida Perfumada e Namoro a Dois.
O interesse de Josiara pela cena vai além e a levou a fazer uma releitura de um hit da Banda Asa de Águia. Em Não Tem Lua, fez um dueto com a cantora e compositora Juliana Linhares.
“Pra mim, a relação vem muito dessa memória de infância, de escutar essas músicas em casa. Isso me desperta muitas coisas boas e me dá vontade de cantar. Então, vejo isso como algo muito íntimo, mas acredito que seja também pela beleza desse repertório. São canções grandiosas que precisam ser resgatadas, cantadas de novo, que não podem parar. Por isso, gravei Não Tem Lua com Juliana Linhares, que é uma música belíssima. Eu sigo cantando os artistas desse período de ouro, porque realmente o poço de beleza é grande.”
Entre os muitos projetos de releituras do Axé, podemos citar ainda a banda baiana Suinga, com referências que partem de precursores como Jerônimo, e também o Bloco do Silva, álbum do cantor e compositor capixaba, que revisita temas de nomes como Ara Ketu e Carlinhos Brown.
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Beatriz Arcoverde e Graça Adjuto