Dois séculos depois do estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal, o que essa parceria realmente representa? No último dia 19 de fevereiro, os dois países celebraram a 14ª Cimeira Brasil-Portugal, em Brasília, assinando 20 novos acordos bilaterais em áreas como segurança, saúde, tecnologia e cultura. Os gestos foram simbólicos, mas fica a pergunta: esses acordos refletem apenas um compromisso protocolar ou de facto vão se traduzir em benefícios concretos para ambos?
A cooperação internacional é fundamental para qualquer país que busque relevância global, mas precisa ir além de declarações e assinaturas de memorandos.
No setor de defesa, por exemplo, a compra de 12 aeronaves Super Tucano pela Força Aérea Portuguesa demonstra uma aposta na tecnologia brasileira, fortalecendo a indústria nacional e aproximando os dois países de uma padronização estratégica dentro da OTAN. Mas isso é suficiente para consolidar o Brasil como um fornecedor de referência no setor? Ou continuamos, como tantas vezes, apenas assistindo aos outros definirem os rumos das cadeias produtivas e tecnológicas?
Outro ponto crucial é a cooperação científica e na área da saúde, com iniciativas como a parceria entre a Fiocruz e o Atlantic International Research Centre. São ações que podem ter grande impacto, mas que dependem de continuidade e investimento para não se tornarem apenas intenções diplomáticas sem efeitos reais para a sociedade. O mesmo vale para o setor cultural, com acordos entre o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e instituições portuguesas. São iniciativas importantes, mas que de nada adiantam se, internamente, a cultura continuar relegada a segundo plano nas políticas públicas brasileiras.
Já no setor agrícola e ambiental, os acordos mostram que a relação Brasil-Portugal ainda carrega resquícios de um modelo econômico historicamente desigual. Facilitar o comércio de vinhos e produtos vitivinícolas é um avanço, mas revela o mesmo padrão: Portugal, pequeno em território, mas consolidado em sua indústria, e o Brasil, gigante, mas sempre visto como exportador de matéria-prima. O Brasil, que poderia ocupar uma posição estratégica no mercado internacional em diversos setores, ainda se contenta com um papel secundário em muitas dessas negociações.
É natural que laços históricos influenciem relações bilaterais, mas tradição não é estratégia. Se a proximidade entre Brasil e Portugal for apenas um reflexo do passado, sem um compromisso real com inovação e crescimento conjunto, esses acordos permanecerão no papel, como tantos outros. Dois séculos depois, a questão essencial não é apenas celebrar a parceria, mas questionar até que ponto ela está realmente sendo usada para transformar o futuro.
BEATRIZ SIDRIM
JURISTA E
CEO DA DESTINOS
OBJETIVOS
O post Brasil e Portugal: 200 Anos de “Parceria”? apareceu primeiro em O Estado CE.