Por André Sacconato*
Uma breve análise dos primeiros dias do governo de Donald Trump revela cinco prioridades centrais: equilibrar a balança comercial, trazer empresas de volta ao território norte-americano, combater a imigração ilegal, conter a influência chinesa no mundo e enfrentar a crise do fentanil. As três primeiras estão diretamente ligadas à economia.
Trump está dando continuidade a algumas de suas propostas mais controversas, como a ameaça de sobretaxar produtos do México, do Canadá e da China. Agora, implementou uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio, o que deve afetar o nosso país.
Ele também propõe aumentar as taxas de importação de nações que, segundo o próprio, “se aproveitam dos Estados Unidos”, citando o Brasil como exemplo. O argumento é que o nosso país impõe tarifas médias de 11% sobre produtos norte-americanos, enquanto os Estados Unidos aplicam apenas 2% para produtos brasileiros.
No entanto, muitas dessas ameaças não passam de retórica. No caso do México e do Canadá, as tarifas foram retiradas assim que ambos concordaram em reforçar a fiscalização contra o tráfico de fentanil e seus insumos nas fronteiras. Como estratégia de guerra comercial, essa postura se mostra inconsistente. Mas o ponto fundamental é outro: caso as medidas sejam realmente implementadas, os maiores prejudicados serão os próprios Estados Unidos.
Efeitos perversos do governo Trump na economia
O aumento das tarifas sobre bens essenciais, como o aço, provocará uma alta generalizada de preços no mercado norte-americano, pressionando a inflação. O impacto será ainda maior sobre as commodities que compõem o orçamento das famílias de baixa renda — um dos fatores que, segundo analistas, pesou contra os democratas na eleição de 2024.
Outra medida potencialmente danosa é a expulsão em massa de imigrantes, o que reduzirá a mão de obra disponível e pressionará os salários para cima, alimentando ainda mais a inflação. Assim, o Federal Reserve (Fed) terá de elevar os juros básicos, desacelerando o crescimento econômico e aumentando os riscos de recessão.
Curiosamente, a média de deportações até agora não tem sido maior do que sob a administração de Joe Biden. Para Trump, no entanto, o objetivo é mais simbólico do que prático — imagens de detenções e aviões lotados de deportados servem à sua narrativa política.
Influência chinesa
O segundo “tiro no pé” de Trump ocorre no campo geopolítico. Ao retirar os Estados Unidos de organismos multilaterais e reduzir o financiamento de programas da USAID em países em desenvolvimento, ele abre espaço para a China expandir a sua influência global.
Um exemplo claro é o Diálogo de Segurança Quadrilateral (QUAD), formado por Estados Unidos, Austrália, Japão e Índia. Durante o governo Biden, esse grupo foi reforçado para conter o avanço chinês na região do Indo-Pacífico. O mesmo ocorreu com os esforços diplomáticos para fortalecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Se Trump desmantelar esses arranjos, China e Rússia terão caminho livre para ampliar as suas presenças mundiais. Não por acaso, Pequim já anunciou a redução de tarifas de importação para países pobres, buscando conquistar ainda mais aliados. O gigante asiático já é a maior importadora de vários países da América Latina e patrocina grande parte da infraestrutura africana.
Outro aspecto crítico é a perda de talentos estrangeiros no país estadunidense. Com as novas políticas migratórias, muitos estudantes e pesquisadores correm o risco de serem expulsos das universidades de lá. Para a China, que almeja a liderança tecnológica global, essa é uma oportunidade valiosa para atrair esses profissionais e fortalecer seu setor de pesquisa e desenvolvimento.
Fato é que Pequim percebeu que esse novo governo dos Estados Unidos quer somente a narrativa. Empresário que alçou fama na televisão, para Trump o que vale politicamente nem sempre é o que é, de fato, mas o que parece. A China, ao contrário, não quer ruídos.
Em resumo, se Trump levar adiante todas as suas propostas, os impactos negativos serão profundos. O desafio do presidente é compreender que a estratégia de campanha precisa dar lugar à pragmática governamental. Caso contrário, os tiros no próprio pé serão inevitáveis.
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*André Sacconato é assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)
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