EUA quer desregular IAs. UE diz “não, obrigado”

A Inteligência Artificial (IA) pode ser o futuro, mas nem todos estão dispostos a deixar a tecnologia correr sem freios. A União Europeia (UE), por exemplo, foi o primeiro bloco a implementar um extenso conjunto de leis para regulação, e os Estados Unidos (EUA) até estavam desenvolvendo algo na mesma linha, durante o governo de Joe Biden.

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Já Donald Trump, o atual presidente, defende a desregulação do setor, em prol do avanço tecnológico (e supremacia) dos EUA, e alertou que o resto do mundo deve fazer o mesmo, para permitir que empresas americanas operem sem restrições e locais tenham chances de concorrer (mas ficando atrás, claro), em nome do America First.

Para o governo Trump, EUA dominarão o mercado de IAs, e UE só terá chance de concorrer se as desregular (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Para o governo Trump, EUA dominarão o mercado de IAs, e UE só terá chance de concorrer se as desregular (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Só que a UE não está disposta a ceder e vai manter as regulações como estão, embora algumas mudanças pontuais estejam ocorrendo, segundo a gestão atual, para tornar o bloco mais competitivo.

UE mais competitiva, com regras

Durante a gestão de Margrethe Vestager, a Comissão para uma Europa Pronta para a Era Digital (que nome…) atuou de modo feroz para endossar a regulação de todo o setor tech nos 27 países-membros, com medidas que, não raro, foram criticadas por prejudicar até mesmo as companhias locais. A comissária justificava a medida como priorização da proteção dos cidadãos, e as empresas que se ralassem.

Com a saída de Vestager, o cargo de VP executiva/SVP foi passado à ex-ministra dos Transportes da Finlândia, e membro do Parlamento Henna Virkkunen, e o órgão em si agora se chama Comissão para Soberania Tecnológica, Segurança, e Democracia. Sério, quem inventa esses nomes?

Nota: o outro cargo de Vestager, o de comissária para a Competição, é hoje ocupado pela parlamentar Teresa Ribera, ex-ministra de Transição Ecológica da Espanha; ao que parece, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen não quis concentrar poder demais nas mãos de uma só pessoa, como na gestão anterior, mas continuando…

A mudança na nomenclatura do departamento não é gratuita, e representa uma alteração na atuação, no caso, flexibilizar as regulações, mas não as abandonar, a fim de permitir que a UE se torne um território propício à competitividade entre as empresas tech de fora, e as locais, sem que estas abusem dos cidadãos.

O motivo é bem simples: o período de Vestager e Thierry Breton, ex-comissário de Mercado Interno, foi bem nocivo em termos de geração de novas oportunidades, a UE passou a ser vista como um bloco que mata a inovação e a competitividade, sob o argumento de proteção dos usuários. Virkkunen estaria trabalhando para reverter essa imagem, desburocratizando a máquina pública, mas sem deixar as companhias soltas, ou seja, está estabelecendo um meio-termo entre a Lei e os negócios.

Uma das medidas recentes foi retirar propostas que previam responsabilizar empresas de IAs, fabricantes de drones e outros dispositivos, como smartphones e tablets, por danos causados a usuários e competidores, e outras sobre patentes e privacidade, o que foi entendido como uma resposta à recente palestra de J.D. Vance, vice-presidente dos EUA, durante o IA Summit de Paris (mais sobre isso a seguir), o que ela nega.

Henna Virkkunen, SVP de Soberania Tech, é um pouco mais flexível que sua antecessora, Margrethe Vestager (Crédito: Fred Marvaux/European Parliament)

Henna Virkkunen, SVP de Soberania Tech, é um pouco mais flexível que sua antecessora, Margrethe Vestager (Crédito: Fred Marvaux/European Parliament)

Em entrevista ao Financial Times, Virkkunen disse que a medida se deu para estimular o investimento local e a competitividade de IAs locais, ao invés de soterrar novos negócios e oportunidades sob toneladas de burocracia. Não quer dizer que o governo pretende investir diretamente, mas ao menos não criará empecilhos desnecessários ao desenvolvimento de novas tecnologias dentro da UE.

É uma linha de pensamento similar à de Emmanuel Macron, presidente da França, que quer as companhias de seu país, como Mistral AI e H (ex-Holistic), competindo de igual para igual com OpenAI e cia., com o governo de Paris investindo por conta, e anunciando uma parceria com a Alemanha.

Em linhas gerais, é possível que o cenário de IA da UE, com Virkkunen atuando como uma reguladora mais camarada do que Vestager foi (mas só um pouco), consiga reverter a imagem de bloco anti-inovação e atraia novos negócios, mas no que depender do governo Trump, a Europa, assim como o resto do mundo, continuará atrás dos EUA.

EUA: hegemonia global via desregulação

Desde que assumiu o governo, Donald Trump deixou bem claro que não tem apreço pela proposta de regulação das IA, e dos processos movidos contra as gigantes tech do país, durante a gestão de Joe Biden. Sobre estes, as agências reguladoras, agora com um quadro majoritário de republicanos, deverão trabalhar para dispensar os procedimentos, ou pegar leve nas punições.

Já sobre a regulação de IAs proposta no passado, ninguém nunca mais ouviu falar. O plano atual é estimular o desenvolvimento de algoritmos de maneira livre e sem nenhum tipo de restrição, mesmo que isso signifique a coleta massiva de dados sensíveis, de onde quer que seja, e ameaçou inclusive a UE de tarifas devido aos processos e multas aplicadas contra empresas americanas.

Note, isso não isenta os responsáveis de processos por infração de direitos autorais, copyright também é Business, afinal.

O vice-presidente J.D. Vance deixou isso bem claro, durante sua fala no IA Summit 2025: os EUA têm e manterão a hegemonia do setor de IA, porque os algoritmos não serão regulados, e instou (na prática, exigiu) os demais governos a relaxarem suas legislações, não apenas para estimular a competitividade, mas para não atrapalharem os negócios de suas companhias, como Microsoft, OpenAI, Nvidia, Apple, Google, etc.

Vance também disse que as IAs dos EUA “não serão cooptadas como ferramentas de censura autoritária”, e defende algo próximo da “liberdade de expressão absoluta” de Elon Musk para o X: empresas e indivíduos devem ser permitidos falarem e fazerem o que quiserem, sem sofrerem consequências ou serem legalmente punidos por seus atos.

Basicamente, o governo Trump está implementando uma nova versão da “diplomacia do porrete” (mas sem “falar manso” como Teddy Roosevelt), prometendo bater em quem não dançar conforme a música com seu poder econômico, na forma de tarifas pesadas e outras sanções. Os EUA permanecerão abertos a negócios, mas só para quem se submeter às suas regras.

A indireta (Vance não citou nomes) teve como alvo óbvio a Lei de IA da UE, mas vale para todo mundo que faz negócios com os EUA de uma forma ou outra; uma das mais recentes ameaças foi direcionada ao BRICS, se ousar fazer negócios internos sem usar o dólar, e o Brasil já levou uma paulada com a sobretaxação de 25% nas exportações de aço, o que pode forçar o governo Lula a procurar outros clientes (não o camarada Xi, nós somos um dos maiores compradores de aço chinês, o que foi criticado por Trump, inclusive).

Por enquanto, resta ver quais serão as repercussões dentro e fora da Europa, e se a UE conseguirá se tornar um território convidativo a novas iniciativas em IA, o suficiente para se tornar um polo competitivo.

Fonte: Financial Times

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