Warner Bros. Games e a Casa de Irene

A Warner Bros. Games, antes Warner Bros. Interactive Entertainment, amargou um prejuízo de US$ 300 milhões em 2024, dois terços do valor representados pelo monumental e esperado fracasso de Suicide Squad: Kill the Justice League.

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O restante é o resultado das vendas fracas de Harry Potter: Quidditch Champions, que tentou surfar no sucesso de Hogwarts Legacy, e da queda do interesse do público em MultiVersus (por culpa da própria Warner), que agora tem data para morrer.

O case de MultiVersus é o exemplo didático de quão perdida a divisão de games da Warner está (Crédito: Divulgação/Player First Games/Warner Bros. Games)

O case de MultiVersus é o exemplo didático de quão perdida a divisão de games da Warner está (Crédito: Divulgação/Player First Games/Warner Bros. Games)

Estes são apenas alguns dos vários problemas que os estúdios subordinados à Warner Bros. Games vinham enfrentando sob a gestão de David Haddad, que anunciou em janeiro de 2025 sua saída da companhia, após os fracos resultados da divisão, que está uma bagunça só.

Warner e a obsessão com GaaS

A essa altura, não é segredo para ninguém que David Zaslav, CEO da Warner Bros. Discovery, só se preocupa com dinheiro. Desde que assumiu o comando da gigante, ele visa apenas o lucro imediato e com mínimo investimento, para maximizar os ganhos, o que já gerou uma série de decisões espúrias.

Podemos citar exemplos como os write-offs (inclusão como dedução no Imposto de Renda) dos filmes Batgirl e Coyote vs. Acme, que foram deletados e deixaram de existir; o primeiro não foi considerado digno de ir para a tela grande, depois que o plano de filmes voltados para o Max caiu, e o segundo seria vendido a terceiros, mas por um preço alto que ninguém quis pagar, e a Warner recusou contrapropostas.

A série animada Batman: Cruzado Encapuzado quase teve o mesmo fim, não fosse a Amazon ter aceitado pagar o que Zaslav queria, como parte da profunda reformulação da DC Studios, com James Gunn à frente das novas produções. A divisão de games, em que Haddad trabalhou por 12 anos e comandava desde 2015, também não escapou.

Haddad direcionou a Warner Bros. Games no rumo que Zaslav e a cúpula executiva queria, com foco em Jogos Como um Serviço (GaaS) para a maximização dos lucros, ao invés de investir em experiências single player. Hogwarts Legacy teria sido a grande exceção do período, suas mais de 34 mihões de cópias vendidas (dados da Warner) deram um voto de confiança à Avalanche Software, ainda que isso tenha prejudicado demais estúdios internos; diversos desenvolvedores foram realocados para ajudar no game, e até times externos foram contratados.

A Avalanche estaria desenvolvendo mais conteúdo para Hogwarts Legacy, além de uma sequência, mas não se sabe se o interesse do público no universo expandido de Harry Potter será o mesmo, e poucos acreditam que o sucesso possa ser repetido, ou superado. O fiasco de Quidditch Champions, o game focado no quadribol e desenvolvido a toque de caixa pela praticamente desconhecida Unbroken Games, com o claro intuito de arrancar uns trocados a mais dos fãs, seria um indicativo disso.

Hogwarts Legacy foi a exceção entre os lançamentos recentes (Crédito: Divulgação/Avalanche Software/Warner Bros. Games)

Hogwarts Legacy foi a exceção entre os lançamentos recentes (Crédito: Divulgação/Avalanche Software/Warner Bros. Games)

O caso da NetherRealm Studios é um pouco diferente. Antes da fusão da Warner Bros. com a Discovery, era quase certo que o estúdio seguiria Mortal Kombat 11 com Injustice 3, mas quando rumores de que a divisão inteira poderia ser vendida começaram a pipocar, a equipe de Ed Boon acabou mudando os planos, e aderindo a um projeto amais “seguro”, Mortal Kombat 1. A franquia de luta está assegurada, como uma em que a Warner pretende focar daqui por diante, assim como Harry Potter/Hogwarts.

O mesmo não pode ser dito da Rocksteady Studios. A desenvolvedora, que tem experiência em games single player, como a série Arkham deixou bem claro, foi ordenada por Haddad (que seguia orientações de Zaslav) a criar um próximo capítulo da série como um GaaS, e protagonizado pelo Esquadrão Suicida. O objetivo era bem claro, fazer muito dinheiro, mas todos sabiam ser essa uma péssima ideia, de devs a outros executivos. Porém, como eram ordens de cima, só restou cumpri-las.

Quando as primeiras informações sobre Suicide Squad: Kill the Justice League começaram a surgir, o público estava dividido entre a dúvida (afinal, o Batman que controlaram nos três primeiros games agora era um dos vilões) e empolgação, por ser desenvolvido pela Rocksteady, mas tão logo o título foi revelado como sendo um GaaS, toda a expectativa dos gamers escoou como água por uma represa aberta. Ninguém queria outro Marvel’s Avengers, mas o novo game conseguiu ser ainda mais fraco do que o da Crystal Dynamics.

O game assinalou um prejuízo de US$ 200 milhões, e um furioso Zaslav, no melhor estilo “a culpa é minha e eu ponho ela em quem eu quiser”, teria ordenado que o estúdio fosse fechado, ou que metade dos desenvolvedores fossem demitidos, para conter gastos. Não chegou a tanto, mas a Rocksteady sofreu duas ondas de cortes de pessoal, e foi alocada para um novo Batman: Arkham, desta vez, single player.

Como esperado, o desenvolvimento de Suicide Squad: Kill the Justice League foi encerrado em menos de um ano, o título não mais receberá novos conteúdos, mas ganhou um epílogo meia-boca desfazendo tudo o que aconteceu no game, tornando a própria aventura em si sem sentido.

Todo mundo sabia que ia dar ruim, mas "manda quem pode, obedece quem tem juízo"; quando a bomba inevitavelmente explodiu, sobrou para os devs, como sempre (Crédito: Divulgação/Rocksteady Studios/Warner Bros. Games)

Todo mundo sabia que ia dar ruim, mas “manda quem pode, obedece quem tem juízo”; quando a bomba inevitavelmente explodiu, sobrou para os devs, como sempre (Crédito: Divulgação/Rocksteady Studios/Warner Bros. Games)

A única que rodou no game de vez foi a Mulher-Maravilha, que parece não ter sorte em games.

Game da Mulher-Maravilha pode não sair

Se ser morta por um clone maligno do Superman já não fosse uma indignidade e tanto, o game estrelado pela princesa guerreira de Themyscira pode nem ver a luz do dia. Anunciado em 2021, ele é um projeto da Monolith Productions que vem sofrendo com diversos problemas.

A desenvolvedora teve um excelente retorno de público com Middle-earth: Shadow of Mordor, mas não conseguiu repetir a dose com a sequência Middle-earth: Shadow of War, e originalmente defendeu investir em uma nova franquia, com personagens inéditos, o que a Warner nukou em 2021 sem cerimônia, alegando zero interesse em personagens novos. Ao invés disso, ofereceram ao estúdio escolher se basear em propriedades da DC, ou da IP Game of Thrones.

Parte dos desenvolvedores da Monolith, incluindo o VP Kevin Stephens, descontentes com tal desdobramento, saíram e fundaram um novo estúdio dentro da rival EA, enquanto os restantes decidiram investir em um game da Maravilhosa, mas os problemas não acabaram aí. Originalmente ele deveria fazer uso do sistema Nemesis dos dois Middle-earth, para recrutamento de inimigos como aliados e IA reativa, que aprende e se adapta ao seu estilo de jogo.

Porém, quando ficou claro que as mecânicas não estavam funcionando da maneira que queriam, o projeto sofreu um reboot completo das mecânicas e jogabilidade, migrando para algo mais tradicional em jogos de ação e aventura, provavelmente próximo dos recentes títulos da série God of War, o que não é lá uma surpresa.

Basicamente, o protótipo original do game da Mulher-Maravilha foi jogado no lixo, e o projeto teve que ser reiniciado do zero, o que já teria consumido um orçamento de US$ 100 milhões, e não há sequer uma previsão de lançamento. Segundo fontes, os problemas com a saída do time de liderança, e os gastos excessivos, aliados à mudança do projeto, teriam acendido o alerta vermelho, e o game pode ser simplesmente cancelado.

Pobre Diana, ela não merecia ser tratada assim (Crédito: Divulgação/Monolith Productions/Warner Bros. Games)

Pobre Diana, ela não merecia ser tratada assim (Crédito: Divulgação/Monolith Productions/Warner Bros. Games)

A WB Games Montréal não está muito melhor. Em 2016, o estúdio foi ordenado por David Haddad a desenvolver (adivinha) um GaaS, inspirado principalmente na resposta do público a títulos como Destiny e GTA Online, mas baseado no universo do Batman, levemente relacionado (ao menos nominalmente) à série Arkham, como Batman: Arkham Origins, lançado em 2013 pela desenvolvedora.

O resultado foi Gotham Knights (2022), que teve uma recepção morna para fria, algo que os devs tinham a intenção de remediar com uma “versão 1.5”, podada pelos executivos, e daí para a frente, a situação só piorou. Benjamin “Ben” Bell, VP de Produção da WB Games, subordinado a Haddad, teria inicialmente aprovado uma ideia para um novo game, desta vez estrelado em John Constantine, mas o grupo executivo teria desistido da ideia depois, quando o estúdio de Montréal solicitou o orçamento.

Bell então sugeriu que os devs escolhessem uma entre duas IPs, Coringa ou Flash, em nome de “um personagem mais reconhecível” pelo público; a WB Games Montréal fechou com o velocista, apenas para o projeto ser sumariamente podado pela matriz, depois que o filme estrelado por Ezra Miller bombou no cinema.

O estúdio estaria no momento desenvolvendo um jogo baseado em Game of Thrones, enquanto auxilia a Monolith com o título encruado da Mulher-Maravilha.

MultiVersus e o desperdício de uma boa ideia

No papel, MultiVersus era a receita de um sucesso garantido, que renderia rios de dinheiro, desde que todos os envolvidos se comprometessem a torná-lo um brawler digno de competir com a série Super Smash Bros., da Nintendo.

A desenvolvedora independente Player First Games tinha à disposição todo o acervo de personagens da centenária Warner Bros., não só os heróis e vilões da DC, como os Looney Tunes, personagens clássicos da Hanna-Barbera, protagonistas e antagonistas de centenas de filmes (até o agente Smith entrou na farra), e outros de marcas como Cartoon Network, HBO e Adult Swim. A lista era enorme e as possibilidades, quase infinitas.

Então veio a costumeira má-vontade da Warner, que negligenciou o game e barrou conteúdos por todo o tempo em que MultiVersus esteve disponível como um beta aberto, até o desligar em 2023. Ele voltaria “em definitivo” no ano seguinte, e a Player First foi inevitavelmente comprada pela Warner, pondo fim à sua fase independente.

A Warner conseguiu desperdiçar uma ideia excelente, por pura negligência e preguiça (Crédito: Divulgação/Player First Games/Warner Bros. Games)

A Warner conseguiu desperdiçar uma ideia excelente, por pura negligência e preguiça (Crédito: Divulgação/Player First Games/Warner Bros. Games)

O grande, enorme, Gossameresco problema, a Warner continuou se recusando a corrigir os bugs e problemas do netcode de MultiVersus, conhecidos desde o beta aberto, e isso afugentou os jogadores, mesmo sendo um game free-to-play com microtransações. A escolha de trancar o elenco de personagens atrás de uma roleta, obrigando o público a jogar muito, ou a abrir a carteira, para liberar os combatentes, e as velhas decisões de design do gênero GaaS, como o inevitável Passe de Batalha, também não agradaram.

Aí veio o anúncio de que o game terá seus servidores desligados em maio de 2025, aliado a uma última massiva atualização… que corrigiu TODOS os problemas de MultiVersus, ele agora é o que deveria ter sido desde o início, se a Warner Bros. Games tivesse um pingo de boa-vontade. O público entendeu o recado como a última ofensa, sem contar que os conteúdos atrás da paywall permanecerão eternamente trancados, quando ele se converter em um game offline (apenas para quem o acessar até 30 de maio de 2025), agora que não é mais possível gastar dinheiro no título, e não serão liberados apenas jogando.

Para terminar, a Warner não vai reembolsar ninguém, como todo mundo que joga gacha games sabe, quando um game fecha, tudo se vai como lágrimas na chuva, incluindo o dinheiro gasto.

A reação do público foi a pior possível, mas direcionada, para variar, às pessoas erradas. Tony Huynh, diretor de MultiVersus, publicou no X que lamenta o fechamento do game, mas revelou que ele e a equipe da Player First Games (que conhecendo a Warner, pode muito bem ir parar na rua, ou acabar realocada para outros projetos, caso o estúdio seja fechado) vêm recebendo ameaças de alguns idiotas, sendo que a culpa nem é dos devs para começar.

No geral, a Warner Bros. Games e seus estúdios foram tratados como geradores de dinheiro, onde todos eram obrigados a encher os cofres, com máximo investimento de pessoal, gastando o mínimo possível, e seguindo a tendência de priorizar o GaaS, e o resultado não poderia ser outro; assim como não surpreende que, após um rombo de US$ 300 milhões graças às suas próprias decisões, Zaslav estaria, mais uma vez, considerando vender a divisão inteira, para (wait for it…) fazer caixa.

David Haddad está de saída por ser responsável direto pela má fase, mas muitos se perguntam por que isso demorou tanto a acontecer; é provável que ele tinha costas quentes dos executivos, mas a situação, e o sangramento da divisão, se tornaram insustentáveis com o tempo, daí a possibilidade de vender tudo e licenciar suas IPs para outros estúdios, como a Disney faz com as obras da Marvel e Lucasfilm, por exemplo.

Oficialmente, a Warner Bros. Games irá focar em quatro franquias, Mortal Kombat (NetherRealm), DC (especificamente Batman, provavelmente o próximo Arkham single player da Rocksteady), Hogwarts Legacy (Avalanche), e Game of Thrones (WB Games Montréal), sem menção a nenhum outro projeto, e pode ser que os rumores de uma venda não passem disso, mas é fato que Zaslav não está contente e quer dinheiro, e os desenvolvedores que se virem para encher o cofre, ou irão para a rua.

Fonte: Bloomberg

Warner Bros. Games e a Casa de Irene

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