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Sem condições de trabalhar após terem a visão comprometida em cirurgia no AME de Taquaritinga, pacientes reclamam de falta de assistência do poder público. Governador disse que Santa Casa de Franca, OS que cuida do serviço, será responsabilizada e que estuda uma indenização administrativa. O pintor Carlos Augusto Rinaldi perdeu a visão do olho esquerdo após passar por cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Mauri Guarniere, 56 anos, acordava cedo todas as manhãs e ia até os semáforos das ruas de Ibitinga (SP) para vender os pães que a esposa fazia para complementar a renda. A situação, que já era difícil, piorou drasticamente após uma cirurgia de catarata no Ambulatório de Especialidades Médicas (AME) de Taquaritinga (SP).
Ele faz parte do grupo de 12 pacientes que perderam a visão de forma parcial ou total após o um mutirão realizado em outubro de 2024. Quase todos são idosos.
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O g1 conversou com sete deles e os relatos são semelhantes: dor intensa e vermelhidão durante ou logo após a cirurgia, visão embaçada e piora progressiva do quadro até a cegueira parcial ou total. Em alguns casos, houve infecções graves, com risco de perda do globo ocular.
Alguns pacientes já foram avisados por médicos de que a situação pode ser irreversível, mesmo com um possível transplante de córnea.
Ainda não há uma causa confirmada para as complicações. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES), uma resposta oficial deve ser divulgada em até duas semanas.
Durante uma visita técnica, as vigilâncias sanitárias estadual e municipal identificaram inadequações na sala de materiais e esterilização do AME. O setor foi interditado e a equipe responsável pelo mutirão de cirurgias foi afastada.
Pacientes relatam terem ficado cegos após mutirão de cirurgias em Taquaritinga
O governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), esteve em Ribeirão Preto no fim de semana e afirmou que a Santa Casa de Franca, Organização Social (OS) responsável pelo atendimento, será responsabilizada.
Ao todo, a organização recebe $ 1.301.847,00 por mês pela prestação do serviço, que inclui as cirurgias.
Ele também declarou que o governo estuda a possibilidade de uma indenização administrativa para os afetados. Todas as cirurgias feitas no AME de Taquaritinga estão suspensas.
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Desespero e impossibilidade de trabalhar
Sem a visão, os pacientes não conseguem mais trabalhar e se tornaram dependentes de familiares. Mauri, que sustentava a casa vendendo pães, afirma estar desesperado.
“Minha vida parou depois dessa cirurgia. Não posso mais trabalhar e minha renda sumiu. Me sinto um zero à esquerda, sem poder fazer nada e dependendo dos outros para tudo”, lamenta.
A mesma realidade afeta dona Josefa, de 75 anos, que perdeu a independência. Antes ativa, ela conta que gostava de cuidar da casa, mas agora precisa da ajuda das filhas até para tarefas simples.
“Não consigo fazer nada sozinha. Minha filha precisa esquentar a comida para mim, senão me queimo no fogão. Estou muito revoltada. Eu não era assim. Fazia minhas coisas devagar, mas agora não consigo fazer nada. Não é fácil”, desabafa.
Já Antônio Luís da Silva, de 73 anos, trabalhava como operador de máquinas, mesmo aposentado, pois sua renda não cobria os gastos com medicamentos. Ele também perdeu a visão e agora precisará de um transplante de córnea.
Dona Josefá e seu Mauri foram pacientes que perderam a visão após mutirão de catarata no AME de Taquaritinga
Reprodução/Acervo Pessoal
Gastos extras e falta de apoio
Além da impossibilidade de trabalhar, os pacientes dizem estar arcando com custos extras de transporte e alimentação para as consultas médicas. Alguns dizem que receberam transporte gratuito, enquanto outros afirmam estar pagando do próprio bolso. O mesmo ocorre com medicamentos e alimentação, o que pesa ainda mais no orçamento já comprometido.
Cerca de um mês do mutirão, após o agravamento dos quadros de saúde, uma reunião foi realizada entre 12 pacientes afetados e o AME. Mas, segundo os relatos, pouca coisa mudou desde então.
De acordo com os idosos, eles foram encaminhados para serviços de referência em oftalmologia na Santa Casa de Araraquara e no Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto (SP), onde parte recebeu a notícia de que a situação é irreversível.
Entre idas e vindas dos hospitais, Mauri conta que já chegou a sair de casa de madrugada e passou o dia inteiro sem comer porque não foi oferecida nenhuma refeição.
Priscila Xavier, sobrinha de Angela Maria Xavier, de 66 anos, moradora de Monte Alto (SP) submetida à cirurgia, afirma que as respostas do poder público só começaram a ser dadas após a repercussão do caso. Segundo ela, o atendimento às vítimas ocorre apenas quando há insistência ou grosseria.
“Ano passado, ligavam para acompanhar. Este ano, ninguém me procurou. Eu que precisei ligar para pedir medicamento. Eles poderiam fazer mais. Poderiam, por exemplo, ligar para acompanhar nosso estado e enviar os medicamentos sem que precisássemos pedir e também custear pelo menos a alimentação”, cobra Mauri.
A salgadeira Maria de Fátima Garcia Chiari ficou cega do olho direito após passar por cirurgia de catarata no AME de Taquaritinga, SP
Valdinei Malaguti/EPTV
Esperança na Justiça
Muitos pacientes só perceberam a gravidade do problema após semanas, pois foram informados inicialmente de que a dor e a visão prejudicada eram normais no pós-operatório. Angela Maria Xavier voltou várias vezes ao AME relatando dor e náusea, mas foi orientada a aguardar. Sua família teve que arcar com os primeiros custos dos colírios.
“Um colírio custa R$ 117, e ela usa seis. Antes, tivemos que pagar, mas agora o AME está fornecendo. Disseram que ela teria prioridade no transplante de córnea, mas isso não é verdade. Ela está na fila, com mais de 490 pessoas na frente. Mesmo assim, o médico acredita que o caso é irreversível, mas ela ainda vai fazer exames”, relata Priscila.
Dona Angela, que fazia crochê para complementar a renda, está deprimida desde a cirurgia e pretende entrar com uma ação judicial contra o estado.
O que diz a Secretaria
O g1 entrou em contato novamente com a SES sobre a reclamação dos pacientes citados na reportagem. Abaixo, a resposta na íntegra:
“A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) lamenta profundamente o atendimento prestado aos pacientes e abriu investigação para apurar rigorosamente o caso ocorrido no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Taquaritinga, em 21 de outubro de 2024.
Uma comissão especializada do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) irá acompanhar os pacientes. A Ouvidoria Geral do SUS, ligada à SES-SP, também foi colocada à disposição das famílias para coletar todas as manifestações, por meio do canal ouvidoria.saude.sp.gov.br, ou diretamente na Ouvidoria do AME Taquaritinga, presencialmente e pelo telefone (16) 3253-8142.
A Pasta ressalta que todos os profissionais que atuaram nos atendimentos foram afastados e os pacientes estão recebendo suporte em unidades de referência por equipe especializada, incluindo tratamento e medicamentos necessário”.
*Sob a supervisão de Lucas Zanetti
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