Nós definitivamente vivemos tempos interessantes: segundo fontes próximas, oficiais do governo do Reino Unido teriam exigido que a Apple conceda acesso pleno às contas criptografadas de seus usuários em todo o mundo, não importando se os dados são ou não armazenados no país.
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A medida, que não tem precedentes em nenhum país democrático do planeta, seria mais um desdobramento da Lei britânica de Segurança Online, que entrou em vigor em dezembro de 2024, classificada como “vigilantismo por padrão” por órgãos de direitos humanos e profissionais de segurança.
Apple vs. Reino Unido
A Lei de Segurança Online, proposta em 2022 e aprovada em 2023, estabelece que plataformas digitais, incluindo mensageiros com criptografia de ponta a ponta, como o WhatsApp, incluam backdoors em seus sistemas que permitam às empresas, e a oficiais do governo, a escanearem conteúdos e mensagens em busca de conteúdos ligados à pornografia infantil.
Na época, profissionais alertaram que tal procedimento é impossível, se você abre uma brecha na criptografia, ela deixa de fazer seu trabalho que é proteger os dados dos usuários, pois ela será encontrada e explorada por hackers, é algo inevitável. Quando a lei foi aprovada, oficiais do governo disseram que este aspecto não seria implementado até que fosse “tecnologicamente viável”, pois ela obriga as empresas a manterem a segurança dos sistemas.
Sim, é algo completamente contraditório, mas políticos opinando sobre tecnologia são como tartarugas tentando costurar, a diferença é que eles criam e aprovam as leis, e os demais que se ralem para cumpri-las. É o que está acontecendo com a Apple agora, que desde o início é veementemente contra a legislação, e já tinha ameaçado retirar todos os seus serviços com criptografia do Reino Unido, caso fosse obrigada a quebrar as proteções dos dados de seus usuários.
Pois segundo informes, oficiais britânicos teriam dobrado a aposta, e intimaram a Apple a conceder acesso total, direto e irrestrito a todas as contas, de todos os seus usuários, em todo o mundo, não importa se os dados são ou não armazenados localmente. Isso quer dizer que, caso a maçã seja obrigada a se sujeitar, todas as suas conversas do iMessage, suas chamadas de áudio e vídeo do FaceTime, e tudo o que você mantém armazenado no iCloud, será vasculhado pelos “homens do Rei”.
A ordem, que teria sido dada à Apple em janeiro de 2025, não se limita a casos específicos, por exemplo, quebrar a segurança de um usuário investigado, o que o governo britânico quer é aquilo que já haviam sugerido em 2017, uma “porta da frente” (a essa altura, nem dá para chamar de backdoor mais), destrancada e permanentemente acessível, em suma, minar completa e globalmente a segurança de dados de seus serviços.
De novo, o Reino Unido justifica a medida radical, que não tem precedentes em nenhum país democrático do mundo, como um ato para proteger as criancinhas, mas se o acesso dos dados é total, qualquer outra contravenção poderia e será investigada, como pirataria, por exemplo. As implicações de tal medida são inimagináveis, principalmente por afetarem todos os usuários da Apple
Ao mesmo tempo, vale lembrar que aqueles que defendem a vigilância, com o argumento de “não ter nada a esconder”, se esquecem que o que pode e o que não pode muda conforme quem está no poder, e com o tempo; o acesso a pr0n no Reino Unido, por exemplo, é bloqueado por padrão, o usuário é obrigado a entrar em contato com a operadora solicitando o acesso, um ato de absoluta exposição e humilhação. Claro que o uso de VPNs explodiu desde então.
E não fique muito tranquilo por não ser usuário da Apple: a lei vale para todo mundo, Google, Microsoft, Meta, X, TikTok, Amazon, Telegram, Sony, Nintendo, you name it. Cupertino é primeiro alvo por ser a empresa mais valiosa do mundo, mas no que depender dos reguladores, ninguém vai escapar.
A Lei de Segurança Online (que a Element, empresa responsável pelo mensageiro de mesmo nome, chama de “Lei de Vigilância Online”) também prevê que provedores e plataformas, incluindo blogs, combatam a publicação e compartilhamento por usuários de conteúdo ilegal, ou “legal, mas danoso”, que foi basicamente entendido como censura prévia, e autoriza o Escritório de Comunicações (Ofcom), o equivalente britânico da Anatel, a bloquear sites no país.
Voltando à Apple, mesmo que a empresa cumpra sua promessa de deixar de oferecer seus serviços de criptografia no Reino Unido, tal ato não satisfaz a ordem dada, que também proíbe a maçã de notificar os usuários de que seus dados serão acessados por membros do governo, e que a segurança de seus dados foi comprometida. Essa diretiva, baseada em uma lei de 2016, se estende até mesmo a outros governos, incluindo os Estados Unidos, que também não podem informados, o que pode ser entendido como espionagem.
A companhia tem o direito de questionar judicialmente a ordem dada, mas é obrigada a cumprir com o prazo dado para atender às exigências; em março de 2024, a Apple declarou que o governo britânico “não tem a autoridade” de acessar os dados de usuários fora de suas fronteiras, mas assim como aconteceu na ideia furada de regular globalmente o pr0n, a Bretanha morre de saudades do tempo do Império Onde o Sol Não Se Punha, e se julga do direito de vigiar e punir os cidadãos de todo o planeta.
Segundo a Lei, as companhias que não se adequarem podem ser multadas em £ 18 milhões (~R$ 129,24 milhões, cotação de 07/02/2025) ou 10% do faturamento global anual, o que for maior; no caso da Apple, com base nos números de 2024, isso se reverteria em US$ 39,1 bilhões (~R$ 225,46 bilhões), similar à outra que pode ter que pagar à União Europeia, por não cumprir a Lei de Mercados Digitais (DMA).
É fato que a Apple vai continuar brigando contra a lei, mas caso não vença (o que é quase certo que vai acontecer), dificilmente a maçã apelaria à alternativa radical, sair completamente do Reino Unido, onde o iOS responde por 48% dos usuários móveis, o mesmo valendo para as demais companhias. Assim, seus dados, conversas, chamadas e arquivos na nuvem serão acessados mais cedo ou mais tarde, e não há uma opção para trocar de serviço, quando todos os que operam na terra do Rei devem se submeter igual.
Até o momento, Apple e governo britânico não se pronunciaram a respeito, a primeira porque é legalmente proibida de fazê-lo, é bom lembrar.
Fonte: The Washington Post
Apple: Reino Unido quer acesso às contas de TODOS os usuários