Gaza livre (de palestinos)

O novo presidente americano, Donald Trump, propôs publicamente algo que há décadas se pensa ou se sussura em Israel: que o Egito e a Jordânia absorvam parte da população de Gaza. Não citou números, mas é possível imaginar que Trump fez referência a algumas centenas de milhares. Segundo suas palavras, “Gaza está uma bagunça” e é preciso ter o território minimamente liberado para que ela possa ser reconstruída rapidamente e, em algum momento indefinido, reabitada.

Donald Trump, no momento em que comunicou à imprensa seu plano para GazaFoto: Mandel Ngan / AFP

(Detalhe: como há anos-luz não se promovem censos em Gaza, há estimativas diferentes. A UNRWA e o Hamas citam 2 milhões de habitantes, número que muitas vozes – inclusive de países árabes – consideram exagerado e acreditam em, no máximo, 1,2 milhão. Isso acontece porque os números são, óbvia e sabidamente, inflacionados pelos interessados, uma vez que o montante de ajuda internacional é calculada per capita).

Fora da caixa

Trump não tem ideias fora da caixa: ele inteiro vive fora dela. Não esconde uma natureza destemida, que beira (muitas vezes) a agressividade e a descompostura. Também raciocina com números, lógica e pouca emoção, e sua mente capitalista está normalmente voltada à lucratividade e as soluções práticas. Não é uma má característica para o líder do país-mor do capitalismo, pelo menos para que não vive nos EUA. No entanto, ele soa por vezes despirocado, quando se trata de diplomacia.

Ou talvez ele veja algo que não vemos, vá lá saber.

Em Israel, recebeu-se a proposta de duas formas diferentes: foi ridicularizada pela esquerda e despertou a curiosidade da direita. Os que estão mais no centro da política estão pagando para ver. Afinal, ideia por um lado resolveria um problemão (que é continuar tendo Gaza, agora, além de inimiga, caótica e miserável, ainda controlada por um grupo terrorista), mas por outro parece mais um delírio do que qualquer outra coisa.

Obviamente, tanto o governo do Egito quanto o da Jordânia reagiram com um enfático não, apesar de lembrarem, claro, que a economia de seus países precisa da ajuda financeira fornecida catolicamente pelos EUA. Mas, acredito, nem a possibilidade de ver esses fundos minguarem é para eles mais assustadora do que a perspectiva de receber um mar de palestinos que, para dizer o mínimo, passaram os últimos 20 anos sendo educados para o terror (com a devida ajuda da ONU).

A passagem de Rafiah, na fronteira entre Israel e Egito: quase que permanentemente fechada para os palestinosAFP

Há motivos para a recusa

Para sermos bem, mas bem breves mesmo…

No caso da Jordânia, aumentar a já enorme população palestina do país (eles compõem cerca de 80% do reinado) é consolidá-la como a verdadeira nação dos palestinos. Fora isso, o rei tem uma lembrança amarga desse povo. Entre 1970 e 1971, o exército do rei Hussein guerreou contra grupos terroristas palestinos que haviam criado ali um “Estado dentro do Estado”, até finalmente expulsá-los do reinado.

Já o Egito passou longos anos lutando contra o Estado Islâmico que criou raízes no amplíssimo território do Deserto Sinai. Correr o risco de hospedar novos grupos terroristas dentro de suas fronteiras não chega a ser um sonho de consumo. Importante avisar para quem não sabe: Gaza foi território governado pelo Egito entre 1948 e 1967. As recordações de ambos os lados são das piores possíveis.

E assim, com os países vizinhos querendo distância do problema e os distantes – como Estados Unidos ou os europeis “democratas” – prestes a começar a mandar dinheiro para de novo (!) reconstruir Gaza, amenizar suas consciências pesadas e botar o assunto de lado -, vai sobrar pra quem, me conta?

(Espero que, dessa vez, não para Israel.)

Haja paciência.

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