Investigação aponta que facção tem 8 chefes do tráfico do ES escondidos na Maré, no Rio


Subsecretário de Inteligência do estado afirmou que traficantes pagam R$ 5 mil para se refugiarem na Maré. Policiais do Espírito Santo e do Rio de Janeiro realizam Operação Conexão Perdida em Vitória
Reprodução/PCES
Uma investigação da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo indicou que pelo menos oito chefes do tráfico do Terceiro Comando Puro (TCP) no estado estão escondidos no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro (veja mais abaixo quem são).
O subsecretário de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, Romualdo Gianordoli Neto, explicou que a “estadia” em outro estado tem um custo e que a rota dos criminosos entre os dois estados tem se tornado cada vez mais comum.
“Esses traficantes do Espírito do Santo vão ao Rio e se tornam, ao mesmo tempo, comparsas e clientes dos traficantes cariocas. Eles pagam cerca de R$ 5 mil por mês para poder se esconder nas comunidades da Maré”, afirma o subsecretário.
Ação teve 10 presos
Na última quarta-feira (29), policiais militares do RJ e policiais civis do RJ e do ES realizaram a Operação Conexão Perdida, contra traficantes do TCP capixabas. A quadrilha estabeleceu no Complexo da Maré um esquema de extorsão e de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 43 milhões em apenas 1 ano.
Dez pessoas foram presas: 7 no RJ, incluindo 2 em flagrante, e 3 no ES. Os oito chefes da facção criminosa não foram encontrados na operação, e já são considerados foragidos.
O principal alvo da operação era o traficante Bruno Gomes de Faria, o Nonô, que continuava foragido até a publicação desta reportagem.
Policiais do ES e do RJ realizam Operação Conexão Perdida
Mais de 30 traficantes do ES no RJ
Dados de 2024 do setor de inteligência da PM do Rio indicavam que, em setembro do ano passado, havia pelo menos 34 traficantes do Espírito Santo foragidos que se escondiam no Rio de Janeiro.
Segundo o subsecretário do estado, a maioria está escondida em comunidades do TCP na Maré e na Rocinha, atualmente dominada pelo Comando Vermelho.
“O fluxo de criminosos do Espírito Santo para o Rio de Janeiro se deve a alguns fatores: a proximidade entre os estados, logicamente. Também há aliança entre as facções: o TCP do RJ, e o TCP no ES. Há também o Primeiro Comando de Vitória, que é aliado ao Comando Vermelho do Rio”, diz Gianordoli.
“Então é uma escolha natural desses criminosos, que são bem procurados no ES, mas chegam ao RJ e se misturam nessas comunidades e que encontram uma estrutura que foi construída ao longo dos anos”, completa.
O subsecretário citou ainda a ADPF das Favelas que, segundo ele, restringe a atuação das polícias.
Bruno Gomes Farias, o Nonô, apontado como um dos chefes do tráfico do TCP do Espírito Santo na Maré
Reprodução
Chefes do tráfico capixabas escondidos na Maré:
Alvino Pinheiro Bastos (Calango)
Bruno Gomes Faria (Nonô)
Abraão Soares de Souza
⁠Eduardo Lucas dos Santos Oliveira
Cassio Lorencini Martins
Rafael Barcelos do Nascimento (Mariposa)
⁠Marcos Luiz Pereira Junior (MK)
Gabriel Augusto dos Santos (Blake)
Ao longo das investigações, os agentes interceptaram diálogos que mostram um traficante do RJ questionando Luan Faria, um dos chefes do TCP capixaba, sobre a implementação do esquema no estado vizinho.
Nas conversas, Fábio Roberto Lopes dos Santos, conhecido como Chuchu, pergunta se o “projeto” para extorquir dinheiro de empresários do ramo de internet já estava em curso.
Luan responde que o esquema está “redondo” em relação à internet e que também quer progredir na área de distribuição de gás.
Chuchu é investigado por dezenas de crimes, como roubo, latrocínio, homicídio e tráfico.
Já MK, que estava preso no ES, fugiu em 2023.
Traficante conhecido como Chuchu; investigação revelou conversas entre traficantes sobre esquema na Maré
Reprodução
Entenda o esquema
Por meio de um “banco paralelo”, os traficantes ofereciam empréstimos a moradores da Maré. Com os dados pessoais das vítimas, eles contraíam empréstimos e passavam a ter os valores de origem aparentemente lícita para financiar o tráfico.
Ao menos 40 pessoas cederam os dados para o grupo criminoso.
Segundo o subsecretário Romualdo Gianordoli Neto, a função de Giselle Lube, presa na operação, era garantir que os traficantes sempre tivessem dinheiro em caixa disponível para as ações criminosas, compra de armas e fortalecimento das guerras contra facções rivais.
As investigações apontam que a mulher movimentou R$ 27 milhões, de um total de R$ 43 milhões da quadrilha, num período de um ano.
Gisele Lube, apontada como a principal responsável pela lavagem de dinheiro da organização criminosa na Maré
Reprodução
“Ela era uma das principais operadoras da lavagem de dinheiro do grupo. Era quem convertia os valores que chegavam em transferências bancárias para dinheiro em espécie, e vice-versa. A mulher também realizava diversas transferências da conta pessoal para a empresa fictícia, para dar ar de legitimidade para o negócio e dificultar o trabalho da polícia”, explica o subsecretário.
A empresa de fachada era a Caliber Vendas e Serviços, que supostamente, vendia materiais de construção. O estabelecimento, que nunca existiu, foi alvo da operação, mas nada foi encontrado no local.
Para o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Victor Santos, o caso de Gisele mostra o tamanho da movimentação financeira da quadrilha do ES no Rio de Janeiro, além do uso de “laranjas” para movimentar o dinheiro.
“Essas pessoas são escolhidas porque não têm antecedente criminal. Ela pode participar de um quadro societário de uma empresa e movimentar esses milhões”, afirmou o secretário.
Além de Giselle Lube, dois outros alvos da operação foram presos. Yuri Costa dos Santos fornecia dados pessoais para os empréstimos, mas de forma dolosa, para obter ganhos. Já Gisele de Oliveira lavava dinheiro por meio de uma agência lotérica da região.
Expansão para o ES
Casa do traficante MK em Vitória, no Espírito Santo
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De acordo com as investigações da polícia capixaba, o esquema foi, primeiramente, implementado no Complexo da Maré e depois expandido para as comunidades dominadas pelo TCP no ES.
“As cifras envolvidas no esquema são incompatíveis com a atuação do tráfico no Espírito Santo, e só poderiam ser arrecadadas numa região extensa como a Maré, e com o nível de domínio do TCP nessas localidades. As movimentações atípicas que indicaram o funcionamento do esquema começaram há 4 anos. Mas há razões para acreditar que, mesmo antes disso, ele já estivesse em funcionamento no Rio de Janeiro”, afirma Gianordoli.
A investigação aponta que ao menos 80% do dinheiro arrecadado pelo banco clandestino fica no RJ, e o restante é transferido para a facção no ES.
As investigações começaram em novembro de 2023, após a prisão do traficante Luan Gomes de Faria, em Vitória. Ele e o irmão, Bruno, são conhecidos como os irmãos Vera e eram os chefes do TCP no ES.
Segundo as investigações da polícia capixaba, Bruno veio para o Complexo da Maré após a prisão do irmão.
Nos dois estados, os traficantes extorquiam dinheiro das concessionárias de água, gás e internet para abastecer o caixa do “banco paralelo”. Na Maré, as taxas cobradas às provedoras chegavam a R$ 10 mil por mês.
No Espírito Santo, três pessoas foram presas. Uma delas é um empresário que se associou aos traficantes e ajudava a extorquir dinheiro de outros comerciantes de Itararé, na capital capixaba, e em outras regiões. Inicialmente, ele se passou como vítima, mas foi preso após o desenrolar das investigações.
Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro
Reprodução/ TV Globo
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