Brasil fora do radar internacional e Trump amado por empresas; veja 5 conclusões do Fórum de Davos

O encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos terminou nesta sexta-feira (24) com um tom mais otimista do que o do início da semana. Embora o evento já não tenha o mesmo impacto do passado, ele continua a atrair donos do poder pelo mundo –seja ele político, financeiro ou intelectual.
Aqui estão cinco conclusões tiradas dos cinco dias da reunião, que costuma servir de “teaser” do que movimentará a geopolítica e a economia global nos próximos 12 meses.

  1. NINGUÉM FALA DE BRASIL EM DAVOS, RELATAM EXECUTIVOS
    “Sinceramente, ninguém fala do Brasil hoje em Davos. O Brasil não é o foco de ninguém. A gente não está no radar de ninguém”, resumiu David Velez, o fundador e CEO do Nubank, em conversa com jornalistas. Outro alto executivo que há anos frequenta o fórum respondeu que o Brasil “é muito menos visível do que a gente pensa que ele é”, apontando a necessidade de o país fazer um esforço para se apresentar ao mundo.
    Embora apareça em menções sobre ambiente e transição energética, o Brasil não é um destino cobiçado por empresas. Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, pondera que embora numa multinacional não seja difícil convencer os gestores a investir no Brasil, tampouco alguém será cobrado para ter uma estratégia para o país.
    As apreensões em relação ao Brasil, por causa do front fiscal e da percepção de que o déficit do país aumentará, freiam a entrada de dinheiro novo. Com o cenário internacional enevoado ao longo da semana pela promessa do americano Donald Trump de sobretaxar importações aos EUA, os investidores ficam mais cautelosos em relação a onde aplicam o dinheiro -e, com isso, mais longe do Brasil.
    “Há alguns anos o Brasil estava no radar, a América Latina estava no radar. Porque tem a população, tem um grande mercado, tem energia, mas especialmente com essa preocupação fiscal… ninguém acha que o Brasil tem muita preocupação, e muitos investidores já perderam a confiança”, disse Vélez. “Uma vez que essa confiança é perdida, é difícil recobrar.”
    Pouco ajudou, também, o fato de o país ter mandado sua menor delegação oficial em anos, com o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) como único representante do Planalto. Após adiar sua viagem, acabou fora dos painéis oficiais. Manteve encontros com alguns pares, ouviu empresários, reforçou que o país é um destino natural para quem quer produzir com energia limpa, mas não saiu de Davos com nenhum grande aporte novo para anunciar.
    “Acho que o governo brasileiro está fazendo opções, e se você não participa das discussões, você obviamente perde o espaço”, aponta Erasmo Battistella, CEO da Be8, empresa de biocombustíveis e energia renovável. “Por exemplo, se essas empresas [brasileiras] todas não estivessem aqui, elas não teriam esse espaço, a Casa Brasil [onde ocorreram debates e eventos sobre o país promovidos por um pool de empresas nacionais]. Então, eu acho que é uma boa oportunidade do Brasil estar aqui, sabe?”
    No tradicional jantar do Fórum para tratar de América Latina, nenhuma autoridade brasileira esteve presente.
  2. ANALISTAS NÃO GOSTAM DE TRUMP, MAS EMPRESÁRIOS GOSTAM
    O presidente americano, recém-empossado, foi o elefante em todas as salas de Davos e adjacências, até fazer seu discurso por telão no fim da quinta-feira (23) e trazer algum alento para quem temia um salto nos atritos entre Estados Unidos e China.
    Nos diversos painéis acompanhados pela reportagem, ficou latente uma divisão: enquanto os economistas e analistas advertem que a política econômica trumpista é inflacionária e pode causar um problema nos mercados de trabalho com a expulsão dos imigrantes ilegais, sobretudo para pequenas empresas, e analistas políticos se horrorizam com o discurso social do republicano, os empresários em geral estão otimistas com a promessa de desregulamentação e aceleração de processos.
    James, Quincey, CEO da Coca-Cola, amenizou os temores: “Por que eu vou torcer contra [o novo governo]? Preciso olhar para a totalidade das medidas. Tudo ainda é muito hipotético, mas no conjunto ainda estou otimista.”
    Rich Lesser, presidente global do Bonton Consulting Group, disse também estar otimista com o conjunto da obra (ou das promessas), mas advertiu: “Se ele começar a fazer tudo aquilo que ele passou a campanha gritando que iria fazer, a coisa pode ficar preocupante”.
    Quando o discurso de Trump veio, sua abertura a trabalhar em conjunto com a China -que no dia seguinte virou um aceno para um eventual acordo comercial– animou a todos.
  3. A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA É PARA VALER
    A posição de Trump de desmantelar os incentivos econômicos à adoção de tecnologias e produtos mais amigáveis ao ambiente, e em vez disso investir na prospecção de combustíveis fósseis, surpreendeu zero pessoas.
    “As grandes empresas se dão conta de que esse navio zarpou e não vai voltar. A agenda ambiental e sustentável veio para ficar. Vai ter momentos de turbulência, as metas vão se alterar, mas o sentido geral de que temos que caminhar para uma economia mais eficiente, que gere menos resíduos e que seja mais descarbonizada, está bem assimilado pelo setor privado e não vai mudar”, afirmou Roberto Azevêdo, presidente de operação globais da Ambipar e ex-diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio).
    Outro alto executivo brasileiro comentou que a pauta ambiental simplesmente era a correta para sua empresa, e que o carbono se tornou um risco de negócio para quem quer criar uma companhia vencedora no médio e longo prazo. Afinal, disse ele, governos vão e vêm, e as empresas pretendem continuar existindo pelas próximas décadas.
    Os próprios especialistas do Fórum, que foi criticado não só por Trump como pelo argentino Javier Milei por sua ênfase na transição energética e na preocupação ambiental, disseram que sua pauta não mudará.
    Pode haver avanços pendulares em termos de velocidade, pode haver, eventualmente, algum soluço de financiamento, como ponderou um CEO. Mas seja nos painéis ou nos corredores, a decisão de fazer a transição para matrizes energéticas limpas se mantem inconteste. Ela é econômica, não apenas ambiental.
    Outra constatação: a energia nuclear tem ganho enorme adesão como motor para a transição energética. Bill Gates, o governo argentino, o ministro Alexandre Silveira e o próprio Fórum -o leque de apoiadores dessa tecnologia é mais amplo do que nunca.
  4. O DISCURSO MONOLÍTICO MORREU
    O WEF, sigla em inglês para a entidade que criou e mantém o Fórum, sempre defendeu políticas econômicas liberais e bandeiras sociais progressistas. Com Trump e Milei vigorosamente aplaudidos nos palcos, contudo, esse binômio deixou de ser um consenso.
    Pouca gente é banida do Fórum -os russos, por causa da guerra contra a Ucrânia, e a Venezuela, sob a ditadura do Maduro, estão nessa situação, Mas os governos de Israel e da Autoridade Nacional Palestina continuam sendo convidados, assim como como os de países como mais diversos matizes econômicos e sociais. Quem merece holofotes, contudo, é escolhido a dedo.
    Embora o discurso de Milei tenha causado perplexidade de boa parte da plateia quando adentrou por críticas a orientação de gênero, ambientalismo, feminismo e outros temas caros a organização, houve também quem tenha concordado e aplaudido. As “guerras culturais” também estão em Davos, ainda que de maneira mais comedida. Nenhum tema é banido, e há entusiastas para tudo.
  5. NÃO HÁ NOVAS GRANDES CRISES
    A reunião de Davos já lidou com a pandemia, com a recessão, com perspectivas sombrias para a economia e com guerras crescentes. Hoje, como definiu uma pessoa familiarizada com a pauta, há várias pequenas crises, mas nada realmente avassalador. E isso aparece nas discussões.
    Há preocupações com as guerras em cursos -notadamente a da Ucrânia. Mas mesmo o presidente ucraniano, Volodimyr Zelensky, não foi recebido com a mesma expectativa da plateia que o aguardava em outros anos. Há urgência em relação à crise climática, e os incêndios na Califórnia foram evocados com frequência. Há temores de uma onda global de inflação, e há alguma apreensão diante da rapidez da evolução tecnológica.
    Mas nenhum desses problemas é novo, e isso, certamente, tira parte da vibração do Fórum, que pulveriza as discussões e dissolve a possibilidade de ações mais enfáticas.

O post Brasil fora do radar internacional e Trump amado por empresas; veja 5 conclusões do Fórum de Davos apareceu primeiro em O Estado CE.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.