Se há alguns anos desenvolvedores colocavam nas protagonistas a culpa por um jogo ter fracassado nas vendas, houve uma época em que as personagens femininas mal eram escaladas para os papéis principais. Mas qual teria sido a primeira delas a estrelar um videogame? Pois a resposta para essa pergunta é mais difícil de ser dada do que podemos imaginar.
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Quem tem se debruçado sobre essa pesquisa é “Critical Kate” Willaert, historiadora que há vários anos vem estudando essa parte tão pouco documentada dos videogames. No caminho ela chegou a encontrar Van Mai, programadora de um jogo chamado Wabbit e que, para muitos, merece o título de primeiro jogo a contar com uma protagonista. Caso resolvido? Infelizmente não.
Em uma sequência de publicações feitas no Bluesky, Willaert explicou porque esse assunto é tão complexo, começando pelo Score, aquele que, supostamente, deveria ser o jogo a ser apontado como a estreia das personagens femininas como protagonista.
Funcionando como uma variação do jogo Death Race, nele éramos um homem perseguindo mulheres, ou uma mulher perseguindo homens, sendo a primeira vez que tívemos a opção de escolher o gênero em um videogame. Desenvolvido pela Exidy, o problema aqui está no fato de não termos acesso a um gabinete funcionando, muito menos a uma imagem da sua tela. Assim, restam apenas os relatos de quem teve a oportunidade de jogá-lo.
Depois, entre 1977 e 1979, quatro jogos para computador (Oubliett, Avatar, Santa Paravia en Fiumaccio e MUD1) nos deram a oportunidade de sermos um personagem que seria referenciado como homem ou mulher. Porém, em nenhum deles o protagonista (ou a protagonista) aparecia na tela.
Já em 1980, a Teknon lançou o Tropical Dive, título que possivelmente foi o primeiro jogo japonês a contar como uma mulher no papel principal. A dúvida aqui está na impossibilidade de confirmarmos isso, pois também não temos uma cópia do jogo funcionando e a única pista está nas ilustrações de divulgação. Contudo, como não era incomum os criadores japoneses usarem mulheres para chamar a atenção do público, não é possível termos certeza.
Como exemplo dessa prática, Willaert cita o Lady Bug, jogo para arcade em que controlávamos uma joaninha, mas o gabinete trazia diversas ilustrações sensuais de mulheres. Logo, é difícil saber qual foi a intenção dos criadores do Tropical Dive.
Sendo assim, se um dia for confirmado que tudo pode não passou de uma jogada de marketing, ficará para o Streaker o troféu de primeiro jogo japonês a trazer uma protagonista. Sobre essa criação da Shoei, Kate Willaert fez um excelente vídeo falando sobre como o título também se valia de uma abordagem mais “adulta” para chamar a atenção.
Mas se formos definir como primeira aquela personagem a ter recebido um nome, então devemos olhar para o Tawala’s Last Redoubt. Lançado em 1981 para o Apple II, pela Broderbund, a personagem se chamava Benthi, mas a única vez em que podíamos vê-la era na sequência final da história.
Temos ainda o Ali Baba and the Forty Thieves, lançado em 1982 e que, esse sim, nos permitia controlar uma mulher e que podia ser vista na tela. No entanto, ainda é preciso fazer uma ressalva, já que a aventura começava nos colocando na pele de Ali Baba, mas conforme avançávamos, personagens femininas podiam entrar para a nossa equipe.
Complicado, não é mesmo? Para facilitar a compreensão, Kate Willaert elaborou um resumo com os pontos principais da sua pesquisa. São eles:
Primeira personagem feminina…
- Nos arcades: Score (06/1977), além da primeira seleção de gênero;
- Nos computadores (criado pelo jogador)*: Oubliette (11/1977);
- Nos computadores (previamente criado): Tawala’s Last Redoubt (07/1981);
- Nos consoles: Wabbit (10/1982);
*Não há certeza sobre a funcionalidade estar disponível desde o início. - Nos Estados Unidos: Score (06/1977), nos fliperamas;
- No Japão: Tropical Dive (06/1980) ou Streaker (10/1981), nos fliperamas;
- Na Europa: Ant Attack (10/1983). No ZX Spectrum;
- A receber um nome: Benthi, no jogo Tawala’s Last Redoubt (07/1981), no Apple II;
- A receber um nome E aparecer na tela (não-humana): Ms. Pac-Man, no jogo Pac-Man (02/1982), nos fliperamas;
- A receber um nome E aparecer na tela (personagem humana)…
- Nos consoles: Billie Sue, no jogo Wabbit (10/1982);
- Nos computadores: Jenny, no jogo Jenny Of The Prairie (05/1983);
- Nos Arcades: Tropical Angel, no jogo Tropical Angel (09/1983).
Além dessa publicação no Bluesky, em 2021 Willaert também publicou o vídeo que pode ser visto acima, onde ela faz um apanhado sobre sua busca pela primeira protagonista dos games.
Alguns poderão argumentar que não há dúvida, que a estreia das personagens femininas aconteceu mesmo no Score, mas até que uma versão do jogo funcionando seja encontrada, seria imprudente fazer essa afirmação.
Contudo, esse caso serve para mostrar como pode ser difícil registrar a história dos videogames. Se voltarmos para os primórdios da indústria, a falta de documentação faz com que muitas situações só possam ser recontadas com base nos depoimentos de quem as viveu e de um ponto de vista da precisão, essa não seria a melhor escolha.
Felizmente há pessoas dedicadas a escavar essas ruínas e Kate Willaert é uma delas. Com sorte a historiadora ainda conseguirá colocar um ponto final nesta pesquisa. Mas mesmo que isso nunca aconteça, o que ela conseguiu deve ser comemorado e divulgado.
O início das personagens femininas nos games