Pesquisadora defende parceria internacional para regular redes sociais

A especialista acredita que sozinho o Brasil não tem força suficiente

Tâmara Freire – Repórter da Agência Brasil

Publicado em 12/01/2025 – 10:17

Rio de Janeiro

© Thiago Dezan/Divulgação

Versão em áudio


O Brasil precisa se aliar a outros países para conseguir regular as plataformas de redes sociais, na opinião da pesquisadora Débora Salles, coordenadora geral de pesquisa do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Netlab. 

Em entrevista à Agência Brasil, a doutora em Ciência da Informação analisa os impactos da decisão da empresa americana Meta de diminuir a moderação de mensagens potencialmente mentirosas ou ofensivas em suas plataformas.

Para a especialista, as falas do fundador da empresa, Mark Zuckerberg, comprovam que as redes sociais podem decidir quais conteúdos serão produzidos e vistos por seus usuários, mas preferem não dar transparência a essas decisões.

Agência Brasil: As redes sociais sempre foram consideradas lenientes na moderação de conteúdos prejudiciais. O que muda na prática com o anúncio da Meta? 

Débora Salles: Na prática, houve um anúncio de menor moderação de conteúdo e a ideia, pelo que ele diz, é tentar diminuir a quantidade e a variedade de conteúdos que são removidos das plataformas.

Primeiro tem uma coisa muito importante que está aí nas entrelinhas, que é a Meta admitindo que determina aquilo que a gente pode ou não pode ver nas suas redes sociais e que essa decisão não é transparente.

Então a gente está lidando com uma decisão arbitrária e a partir de agora os critérios vão ser menos rigorosos para a remoção de conteúdo.

Pelo que ele [Mark Zuckerberg] fala, conteúdos Ilegais e obviamente criminosos vão continuar sendo removidos mas, em contrapartida, coisas que entram na seara de liberdade de expressão, opiniões, questões mais subjetivas, a tendência é que isso continue no ar.

E a gente pode se preparar, eu acho, para um cenário de menor transparência, ao invés de mais transparência, o que, em alguma medida, a gente tinha expectativa que fosse melhorando. A Meta deixou claro que isso não deve acontecer, pelo menos não no futuro próximo. 

Agência Brasil: Ou seja, a Meta confirma as críticas que sempre foram feitas, de que eles têm poder para moderar conteúdo com desinformação, por exemplo, mas não o fazem… 

Débora Salles: Sim. E também que existem várias ferramentas que eles poderiam usar para tentar melhorar a qualidade da informação nas plataformas. E que, na verdade não é uma limitação técnica, é muito mais uma questão de retorno de investimento e de objetivos de negócios.

Eles ganham muito e pretendem diminuir os custos sempre para ganhar mais. Então quando eles reclamam da legislação europeia e das obrigações que a União Europeia colocou para as empresas, isso tudo gera custo para eles, né? E ele [Zuckerberg] deixou claro que eles vão agir fortemente para tentar limitar a regulação em outros territórios, como no caso do Brasil.

Agência Brasil: Por que é mais interessante pra essas empresas ter um ambiente digital menos regulado e menos transparente? 

Débora Salles: Tem algumas questões. A primeira delas é que é rentável manter a gente atento e engajado. Então, quanto mais polêmica, quanto mais engajamento a gente tiver com o conteúdo, melhor para eles.

E a gente tende a polemizar, a ter mais controvérsia diante de conteúdos que são falsos ou que podem nos deixar indignados. Isso é interessante para a plataforma porque ela ganha dinheiro com a nossa interação, com a nossa presença ali.  

Quanto à transparência, é o caminho para a gente chegar a algum tipo de responsabilização. A gente fala de regulação, mas até para saber quais são os problemas a gente precisa de transparência.

E as empresas vêm, há alguns anos, diminuindo as ferramentas que elas ofereciam para acesso a dados e elas só oferecem essas ferramentas quando são obrigadas, como é o caso agora na Europa.

A transparência incomoda, né? A gente entender porque e o que está sendo moderado ou recomendado dá munição pra sociedade lidar melhor com os impactos dessas plataformas. 

Agência Brasil: A Meta também decidiu encerrar a parceria que tinha com organizações pra fazer a checagem e a moderação dessas informações e delegar aos usuários. Como você vê isso? 

Débora Salles: É bem complicado a gente dizer que vai ficar a cargo dos usuários fazer essa moderação porque não tem transparência do que é feito com as denúncias.

Então, se eu vou no Instagram e falo que um post desrespeitando os termos de uso, não fica claro quem avalia, como avalia e se aquilo ali vai sair do ar ou não.

É uma decisão arbitrária e que muitas vezes é ignorada, dificilmente algo sai do ar.

E as notas da comunidade, que é como ele {Zuckerberg] diz que vai administrar informações falsas, inspirado no que o X hoje oferece, é uma ferramenta facilmente manipulável, pelo menos no X.

Apesar de ser algo que poderia ser interessante, como a Wikipedia, que a comunidade vai lá e constrói o conhecimento, a gente vê, na verdade, como uma ferramenta que em várias situações é sequestrada por aqueles que querem disseminar desinformação.

E como não é algo orgânico, e não é algo transparente, a gente não sabe muito bem o que faz uma nota da comunidade ser aceita, nem sabe o que faz aquilo emplacar de verdade. Então é diferente do da checagem que a gente sabe como, por quem tá sendo feita, e quais são os procedimentos.

E muitas dessas agências de checagem [que trabalham em parceria com a Meta] são dependentes dessas plataformas, do ponto de vista financeiro, não só porque o conteúdo delas circula nessas plataformas, mas porque muitas tem financiamento direto por meio de programas de parceria.

Então, sem dúvida, para essas agências vai ser um baque. E eu acho que pra integridade da informação das plataformas vai ser uma uma perda grande.

A checagem não dá conta de tudo, mas sem dúvida é uma ferramenta muito importante, especialmente em momentos de crise, que você precisa ter acesso à informação de qualidade. 

Agência Brasil: E o que os posicionamentos da Meta, inclusive a respeito de se aliar ao governo Trump para pressionar contra a regulação em outros países, podem ter de consequência aqui no Brasil? 

Débora Salles: Fica bem claro que se não for por meio de regulação, a gente não vai poder contar com essas empresas para garantir segurança nas plataformas.

Eu acho que a regulação da Europa tem se mostrado forte em alguns pontos, mas ainda deficitária em outros. Ela não é a bala de prata que vai resolver todos os nossos problemas, mas ela é sem dúvida, um marco que deveria nos inspirar.

Porque ficou explícita a vontade de usar o poder dessas plataformas, que são mais poderosas do que muitos países, e o poder do próprio Governo dos Estados Unidos, para garantir a não regulação.

E é algo que a gente precisa se perguntar: por que tanta vontade de não regular, quando a gente está vendo na Europa que não virou censura? Ninguém na Europa está dizendo que não pode mais falar o que pensa.

Na verdade, a gente está vendo, pela primeira vez, o que é tirado do ar, e porque é tirado do ar. Que tipo de ferramenta a plataforma usa para tirar do ar, como as pessoas podem reclamar de algum tipo de ação que elas sofreram ali dentro.

A gente não está vendo em momento algum na Europa o fim da liberdade de expressão. Então esse argumento é retórico. Ele não tem lastro na realidade.

Acho que a gente vê de alguma forma um alinhamento no discurso dessas empresas e de atores políticos que estão tentando confundir um pouco as coisas. Falar de liberdade de expressão sem falar na garantia de direitos é complicado.

E se a gente não tem transparência, a gente não consegue garantir direito nenhum ali naqueles espaços. Então acho que a gente pode se preparar para uma resistência muito feroz dessas empresas a qualquer iniciativa que atribua responsabilidade a elas, seja pelo conteúdo orgânico ou pela publicidade. 

Agência Brasil: Aqui no Brasil, as redes sociais da Meta são as que tem a maior penetração. Considerando isso, você acha possível alguma ação coercitiva, como aconteceu no caso da suspensão do X? 

Débora Salles: É bem complicado, porque as pessoas, em geral, faz parte de como elas fazem relações públicas e as plataformas têm os usuários do seu lado.

Os usuários não querem ficar sem Instagram. Então você tirar um Instagram do ar não é tão fácil quanto tirar o Twitter. Eu acho também que ficar tirando as plataformas do ar não é o que vai resolver o problema.

A gente vai precisar de muita força institucional e talvez só o Brasil não vai ter essa força sozinho.

A gente talvez precise falar de América Latina para conseguir fazer frente essas plataformas, porque elas juntas são mais poderosas do que um Estado-Nação hoje em dia.

Agência Brasil: E o que é possível fazer, considerando essas tendências? 

Débora Salles: A gente precisa criar critérios vinculativos de transparência e de responsabilidade para essas empresas que estão atuando no Brasil. Criar esses critérios, essas obrigações é essencial.

E a gente precisa de uma movimentação institucional muito forte para conseguir fazer frente a isso, e pedir acesso a dados, pedir por direitos dos usuários, que hoje em dia ficam à mercê dessas empresas.

Às vezes, as pessoas excluídas de uma plataforma de forma errada e não podem fazer muita coisa, por exemplo. E também criar parâmetros para que elas se responsabilizem de forma mais contundente,  porque atualmente nem com a publicidade existe um cuidado.

Tem crimes sendo cometidos nessas plataformas e gerando receita para elas, então a gente precisa responsabilizar certas situações que acontecem diariamente nesses ambientes e que ainda não tem consequências.

A gente vê que o modelo europeu funcionou porque ele não foi feito por países individualmente. Imagina somente a Espanha, ou Portugal…São dezenas de milhares de pessoas e isso não faz verão. Mas quando você coloca a Europa inteira enquanto bloco pleiteando alguma coisa, tem muito peso.

Sem dúvida, o Brasil é um país enorme, um mercado muito relevante, mas do ponto de vista institucional, não tem tanta força. Então a gente se unir com outros países da América Latina, por exemplo, pode ser um caminho, porque enquanto bloco a gente ganha mais força.

E as plataformas agem em blocos quando precisam. Na tramitação do PL 2630, existia uma campanha em que todas elas se envolveram, para garantir que o PL não fosse para frente.

Então acho que a gente precisa fazer alianças, talvez transnacionais.

A Meta foi procurada para se posicionar a respeito das críticas mas não respondeu à reportagem. 

Relacionadas

Brasília (DF), 08/01/2025 - Logo da empresa Meta. Facebook, Messenger, Instagram, Whatsapp. Foto: Meta/Divulgação

Lula e Macron manifestam preocupação com política da Meta

Meta tem 72 horas para esclarecer dúvidas do governo brasileiro

Meta promete se aliar a Trump contra países que regulam redes sociais

Edição:

Aline Leal

Adicionar aos favoritos o Link permanente.