Google terá que vender o Chrome, e talvez o Android

O Google não conseguiu reverter decisões tomadas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) durante o governo de Joe Biden, que a classificaram como um monopólio e impuseram um plano para fatiar a companhia. Sob a gestão do presidente Donald Trump, o órgão fez algumas concessões, mas manteve os pontos mais duros.

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A gigante das buscas será obrigada a vender o navegador Chrome, não poderá pagar a empresas como Apple, Mozilla, e fabricantes de smartphones, para que o Search seja o buscador padrão em seus produtos, e terá que fazer ajustes na forma como o Android opera, sob risco de ser também forçada a se desfazer do sistema operacional para dispositivos móveis.

CEO Sundar Pichai pensou que agradar Donald Trump pouparia o Google de ser fatiado. Não funcionou (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

CEO Sundar Pichai pensou que agradar Donald Trump pouparia o Google de ser fatiado. Não funcionou (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Google sem Chrome, e Android na mira

Vamos recapitular: o DoJ abriu um processo antitruste contra o Google em 2020, durante o primeiro mandato de Trump, conduzido quase que inteiramente durante o governo Biden. A companhia foi acusada de usar várias táticas ilegais para garantir que o Search dominasse artificialmente o mercado de buscadores, ao invés de jogar dentro das regras de competição justa.

Uma delas é o conhecido acordo mantido com a Apple, em que Mountain View paga bilhões de dólares por ano para que a maçã privilegie o seu motor de busca frente a concorrentes como Microsoft Bing, Yahoo! Search, DuckDuckGo e outros, e se comprometa a não desenvolver um próprio. Ela também possui arranjos similares com a Mozilla, a Samsung, e outras fabricantes de dispositivos Android.

Outro ponto crítico do processo está na forma como o Google opera o Android. As OEMs, fabricantes parceiras, são obrigadas por contrato a fazerem do Search a busca padrão em seus aparelhos, o mesmo valendo para o navegador Chrome, além de outros apps que vêm pré-instalados e não podem ser removidos pelo usuário, salvo usando métodos alternativos para quebrar a segurança do SO (root), que violam a garantia.

Por essas e outras que no dia 5 de agosto de 2024, Amit P. Mehta, juiz federal da Corte Distrital de Columbia, Washington D.C., decidiu classificar o Google como um monopólio do setor de busca, e como tal, seria sujeito às determinações do DoJ, incluindo a divisão da gigante em companhias menores, o “tratamento Bell System”.

Google terá que vender o Chrome, e fazer ajustes no Android, se não quiser perdê-lo também (Crédito: deepanker70/Pixabay)

Google terá que vender o Chrome, e fazer ajustes no Android, se não quiser perdê-lo também (Crédito: deepanker70/Pixabay)

Originalmente, o órgão d então procurador-geral Merrick Garland pretendia dividir o Google em até quatro empresas, forçando o CEO Sundar Pichai a vender o Chrome, o Android, e a Play Store, a companhias não relacionadas (fora do guarda-chuva da holding Alphabet Inc., ou seja, a competidores); a companhia manteria o Search, o Ads e iniciativas em IA, mas mesmo estes sofreriam sanções pesadas.

Corta para 2025: Pichai, asim como vários outros executivos do Vale do Silício, fizeram doações para a posse de Donald Trump em 20 de janeiro, e assumiram compromissos aqui e ali, como exterminar seus programas de DEI (Diversidade, Equidade, e Inclusão), mas o DoJ, hoje comandado por Pam Bondi, decidiu que vai aliviar… mas não muito.

Por exemplo, o Google teria o alcance restrito no desenvolvimento de novas tecnologias, o que atualmente envolve IAs generativas; pela proposta original, a companhia seria proibida de financiar projetos, e forçada a vender as ações que já possui, para não exercer domínio sobre as mesmas. Agora o Google será permitido investir, principalmente após uma petição da Anthropic alegar que sem o aporte da gigante das buscas, sua iniciativa seria encerrada.

Já o caso envolvendo o Chrome não teve conversa, e a companhia será obrigada a vendê-lo, o que “permitirá a outros motores de busca acessar o navegador, que para muitos usuários é a porta de entrada da internet”, segundo o DoJ em declaração de 2024. Da mesma forma, o Search será forçado a permitir que outros buscadores exibam seus resultados, e estes terão acesso a seus dados e algoritmos, por 10 anos.

O Android também não escapou ileso: a companhia terá que implementar mudanças, que incluem permitir que lojas de terceiros sejam distribuídas pela Play Store, e tenham acesso a todos os apps, sem que tenham que pagar um centavo por isso, como forma de evitar ser também obrigada a vendê-lo.

No entanto, esta decisão está apoiada na premissa de que o mercado mobile se tornará mais competitivo; se isso não acontecer, o Google será forçado a vender o Android no futuro.

Apple vai perder “boca livre”

Outro ponto de mudança proposto pelo DoJ no governo Biden, e mantido por Bondi, é o de forçar o fim de todos os acordos mantidos entre o Google e companhias como Apple, Mozilla, Samsung e outras OEMs, onde o primeiro paga altas somas para que o Search seja sempre o motor de busca padrão em seus produtos.

A maçã, por exemplo, é a empresa que mais lucra nesse sentido. Inicialmente ela recebia US$ 1 bilhão, mas os valores a serem pagos eram reajustados anualmente, até chegar em uma margem supostamente fixa, de 36% dos rendimentos anuais com anúncios no Safari, que em 2021 se reverteram em US$ 26,3 bilhões (~R$ 152,4 bilhões, cotação de 10/03/2025). É muita grana e o Google paga sorrindo, por dois motivos:

Acordo em que Google paga bilhões à Apple por ano, para que o Search seja o buscador padrão do iPhone, foi considerado ilegal e deixará de existir (Crédito: The Walt Disney Company/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Acordo em que Google paga bilhões à Apple por ano, para que o Search seja o buscador padrão do iPhone, foi considerado ilegal e deixará de existir (Crédito: The Walt Disney Company/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Primeiro, o acordo impede que a Apple se dedique a desenvolver um buscador próprio, algo que Steve Jobs desejava para aniquilar a rival, por considerar o Android um produto roubado, uma cópia inferior do iOS. Ela não pretende seguir por esse caminho porque a manutenção da Experiência de Uso™(querendo ou não, o Google Search é o melhor motor), e a grana fácil, falam mais alto.

Segundo, o Google foi feito de refém pela Apple, mais de 70% dos resultados de busca entregues pelo Search seriam feitos em iPhones e iPads, e aproximadamente 90% da receita bruta de Mountain View vêm do Ads. Se Cupertino fechar um acordo com outro motor, Sundar Pichai sentiria a paulada muito mais que Tim Cook.

Com o Google proibido de firmar acordos, Apple e outras seriam livres para fechar acordos com outros buscadores, embora a solução mais pró-consumidor seria forçar estas a fazerem o mesmo que a Microsoft e o Google já cumprem na União Europeia, a primeira execução de seus navegadores exibe uma lista de motores, e cabe ao usuário escolher qual deseja usar.

O Google obviamente se defende, diz que não quebrou nenhuma lei (questionável), chamando as medidas originais do DoJ de “uma agenda intervencionista, danosas e injustificáveis”, principalmente as que a restringiam de investir em IA, agora derrubadas. A gigante deverá apresentar uma contra-proposta às soluções do Departamento de Justiça dos EUA, que incluiriam manter os acordos com Apple e cia., mas sem exclusividade, permitindo que estas também fechem outros com motores concorrentes.

O juiz Mehta, que originalmente classificou o Google como um monopólio das buscas, deverá ouvir as propostas do DoJ e do Google e dar o veredito final em abril de 2025, mas é quase certo que o Chrome vai rodar, de um jeito ou de outro.

Fonte: The Washington Post, The New York Times

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