“Vocês, brasileiros, sabem tudo”
Texto: Cristina Fontenele *Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de “Um Lugar para Si – reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.
Estava a caminho do ginásio quando uma senhora me interpelou na rua e perguntou onde ficava determinado endereço. Abri o Google Maps para situarmo-nos no espaço e orientei a direção: “É logo ali, segue reto até a esquina, depois vira à esquerda e caminha até encontrar o número 56.”. Ao que ela, de pronto, respondeu: “Vocês, brasileiros, sabem tudo! Muito obrigada!”. Segui para meus exercícios pensando o que significava aquela frase. O comentário foi uma espécie de medalha no peito a enaltecer a ideia de povo que sempre encontra uma solução? No caso, o mérito foi do aplicativo, mas é bom, de vez em quando, regozijar-se com o que seriam os aspectos admiráveis de uma cultura. Nem só de “jeitinho” vive nossa gente. Não raro vemos nas redes sociais as célebres frases: “O brasileiro precisa ser estudado” ou “Agora a NASA vem”, como indicativo de criatividade e invencionismo. Rimos acreditando não ser nada fora do normal, porque nascemos com esse comando do “te vira” (uns mais, outros menos). Ao sair do país, olhando sob a perspectiva do migrante, de quem procura a força das próprias raízes, essa característica vira motivo de orgulho. Somos referenciados como povo empreendedor, engenhoso e inovador. Podemos incluir tais qualidades no currículo? Ao emigrar, segue conosco a pátria como sobrenome (apelido, como se diz em Portugal). A escritora brasileira, a cabeleireira do Brasil, o amigo da brasileira, aquela rapariga do Brasil. Para além do nome e da profissão, o país de origem virá como alcunha (apelido, como se diz no Brasil): “Ow brazuca, percebeste o que eu disse?”. Brasileiros isto, brasileiros aquilo, a dimensão da nossa nacionalidade nos precede como uma espécie de crachá que nos identifica antes mesmo de iniciarmos uma fala.
Conversa animada
Assisti outro dia ao trecho de uma entrevista do Marcelo Tas com Maria Fernanda Cândido, no qual o apresentador perguntou se a atriz ficou “afrancesada” após viver em Paris. Fernanda foi enfática na negativa e revelou que morar fora a deixou muito mais brasileira, porque foi a partir dessa experiência que pode se entender e reconhecer como tal. “O que somos nós? Quem sou eu? O que me define? (…) Quando a gente tem a possibilidade de olhar com distância, é que a gente consegue se enxergar.”, respondeu a atriz.
A distância reveladora
O processo de distanciamento pode ser revelador, promove descolamento e reencontro. Quando estamos imersos em um contexto, a percepção pode ser parcial. Ser brasileiro em outro país, viver em outro ambiente e interações, evidencia traços pessoais e coletivos de forma mais consciente como, por exemplo, a fala, o ritmo, o gestual, o humor, a vestimenta, os hábitos.
Quem sou eu?
Uma colega baiana também observou o mesmo. Ela mora em Lisboa há três anos e explica que vive a dualidade de se perceber mais brasileira depois de imigrar e ao mesmo tempo querer ser menos, para conseguir se adaptar e sobreviver. Transita entre os polos do mais e do menos para regular o melhor funcionamento no outro território.
Marca registrada
“Fora da ilha, eu vejo que brasileiros se reconhecem em qualquer lugar do mundo. Na questão cultural, no jeito de levar a vida, lidar com as pessoas e com as dificuldades, como se não tivesse nada de novo nos perrengues que passamos aqui.”, avalia a colega. Nesse ponto, a resiliência da brasilidade seria um fator benéfico para a nova vida.
Aprendendo a solidão
Entretanto, a baiana receia tornar-se uma pessoa que ela denomina de “fria-europeia”, uma vez que tem aprendido a lidar bem com a solidão do imigrante mais do que imaginava. E com isso, estaria perdendo a necessidade do lado social mais ativo, comum à dinâmica brasileira? “Eu percebo que a aproximação com os amigos, que tornam-se família aqui, é fruto da carência do que tivemos ou não tivemos no Brasil.”, reflete.
Somos únicos
Na minha vivência, tenho compreendido que imigrar é, sobretudo, dar conta de si mesmo, abraçar coragens e debilidades. Uma caminhada individual, às vezes em companhia, às vezes apenas conosco. E nessa trilha, cabe a nós adotarmos ou não o sobrenome de “brasileira”, “brasileiro” como sinônimo de graça, força e resistência.
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