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A direita radical na Alemanha e em outras partes da Europa atrai um número cada vez maior de jovens, sobretudo do sexo masculino. Jovem em comício na Alemanha
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“O que meus pais me ensinaram é que eles costumavam viver em paz e tranquilos, sem medo em seu próprio país”, diz Nick, de 19 anos. “Eu gostaria de viver em um país onde eu não precisasse ter medo.”
Eu me encontrei com ele em um pequeno bar na esquina de uma rua na antiga cidade mineradora de Freiberg, na Saxônia, onde ele está jogando dardos.
É uma noite fria coberta de névoa de fevereiro, a pouco mais de duas semanas para as eleições nacionais da Alemanha, marcadas para dia 23 deste mês.
Nick e seu amigo Dominic, que tem 30 anos, apoiam ou simpatizam com o Alternative für Deutschland (AfD, ou Alternativa para a Alemanha), um partido que tem ficado consistentemente em segundo lugar nas pesquisas nacionais há mais de um ano e meio, à medida que a direita radical aqui e em outros lugares da Europa atrai um número cada vez maior de jovens, principalmente homens, para sua órbita.
Um motivo específico pelo qual Nick — e muitos outros jovens alemães— dizem estar com medo é o número de ataques na Alemanha envolvendo suspeitos que eram solicitantes de asilo — mais recentemente, o esfaqueamento fatal de uma criança e um homem em um parque na cidade de Aschaffenburg, na Baviera. A imigração é agora a principal preocupação de Nick e Dominic, embora eles não se oponham a ela em todas as suas formas.
“As pessoas que se integram, que aprendem, que estudam aqui, que fazem seu trabalho — não tenho problema com elas”, afirma Dominic, embora critique qualquer pessoa que ele considere estar se aproveitando do sistema de asilo.
“Mas hoje em dia essas declarações são vistas como hostis”, ele acrescenta. “Você é chamado de nazista por causa do passado da Alemanha.”
Embora não sejam contra a imigração como um todo, Nick e Dominic veem a questão como sua principal preocupação, especialmente depois de uma série de ataques na Alemanha, supostamente envolvendo solicitantes de asilo
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O partido AfD — que há muito tempo é acusado de retórica anti-imigrante — está comemorando o apoio do bilionário da tecnologia Elon Musk, dono da rede social X. Ele organizou um bate-papo ao vivo com a líder do partido, Alice Weidel, na plataforma e participou por vídeo de um comício do AfD.
Agora, enquanto a Alemanha aguarda para ver o desempenho da direita radical nas próximas eleições, a questão é por que tantos homens jovens, em particular, estão sendo atraídos por ela — e quais podem ser as consequências para um país que é profundamente consciente do seu passado nazista.
Jovens oscilando para a direita
Uma pesquisa do Instituto Pew mostrou, em 2024, que 26% dos homens alemães tinham opiniões positivas sobre o AfD, em comparação com 11% das mulheres, e que a parcela de homens com essa opinião aumentou 10 pontos desde 2022.
Nas eleições para o Parlamento Europeu em 2024, de acordo com pesquisas de boca de urna alemãs, o número de pessoas com menos de 24 anos, tanto homens quanto mulheres, que votaram no AfD na Alemanha subiu para 16%, um aumento de 11 pontos em relação a 2019.
Isso acontece em um momento de ansiedade cada vez maior entre os jovens, de acordo com um estudo recente do Instituto Alemão de Pesquisa Geracional.
Em uma amostra de mil alemães com idades entre 16 e 25 anos, os níveis de ansiedade foram mais altos entre os entrevistados que se classificam como de direita radical, e mais baixos entre aqueles que se situam no centro do espectro político.
As mulheres eram mais propensas a se preocupar com seus direitos e com os direitos de grupos minoritários, enquanto os homens estavam mais preocupados com os valores conservadores, que são menos baseados em direitos.
Os apoiadores do AfD rejeitam frequentemente o rótulo de ‘direita radical’, incluindo a líder do partido, Alice Weidel, que descreve o partido como um movimento conservador e libertário
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Rüdiger Maas, do think tank alemão Instituto de Pesquisa Geracional, diz que os partidos de esquerda geralmente se concentram em temas como feminismo, igualdade e direitos das mulheres.
“Em geral, os homens não se veem nesses temas”, ele afirma. “É por isso que eles têm uma tendência a votar mais à direita.”
Partidos de direita populistas e radicais também se saíram bem em países como França, Áustria, Holanda, Polônia, Espanha e Itália.
“Sessenta por cento dos homens jovens com menos de 30 anos considerariam votar na direita radical nos países da União Europeia, e (este percentual) é muito mais alto do que a proporção entre as mulheres”, diz Abou-Chadi, em uma análise extraída de uma subcategoria do Estudo das Eleições Europeias de 2024.
Propagadores de mensagens
Além das questões de gênero, imigração e econômicas, as redes sociais estão desempenhando um papel importante. Plataformas como o TikTok permitem que grupos políticos contornem a mídia tradicional, que a direita radical considera hostil.
Está claro que o AfD “domina” o TikTok quando comparado a outros partidos alemães, diz Mauritius Dorn, do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês). O AfD tem 539 mil seguidores em sua conta parlamentar, em comparação com 158 mil do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), que conta atualmente com o maior número de assentos no Parlamento.
E não se trata apenas de perfis oficiais, mas um “número considerável de contas de fãs não oficiais também ajuda a disseminar o conteúdo do partido”, acrescenta Dorn.
Ao configurar 10 contas “baseadas em personas” com diferentes perfis de usuários, eles descobriram que “os usuários que estão mais no espectro da direita… veem muito conteúdo do AfD, enquanto os usuários no espectro da esquerda veem um conjunto mais diversificado de conteúdo político”.
O TikTok afirmou que não faz “distinção” entre direita, esquerda ou centro na política e trabalha para permanecer na “vanguarda” do combate à desinformação.
Dorn observa que outros partidos reconheceram plataformas como o TikTok “tarde demais”, o que significa que eles estão tentando correr atrás do prejuízo para estabelecer uma forte presença na plataforma.
Conhecemos uma influenciadora do AfD, Celina Brychcy, uma TikToker de 25 anos que tem mais de 167 mil seguidores, 53% dos quais são homens, e 76% têm entre 18 e 35 anos.
Ela compartilha principalmente vídeos de dança, tendências e estilo de vida, mas também conteúdo pró-AfD.
Brychcy diz que não ganha dinheiro promovendo o AfD, mas faz isso porque acredita na causa e quer “transmitir uma mensagem”.
Seus ideais políticos incluem o retorno do serviço militar, mais apoio às mães que querem ou precisam ficar em casa e controles de fronteira mais rígidos.
Quando questionei se suas opiniões significam uma rejeição ao multiculturalismo, ela respondeu que não, mas acredita que as pessoas devem “se integrar”.
“Há certas pessoas que simplesmente não se encaixam entre nós, alemães”, ela acrescentou, mas insistiu repetidamente que não é racista, e não tem “nada contra estrangeiros”.
Celina Brychcy diz que enfrentou insultos, ameaças e perdeu amigos por causa das opiniões que manifestou
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Contra a ‘inversão de papéis’
Brychcy também é contra a “inversão de papéis” no que diz respeito à maneira como homens e mulheres se vestem.
A reação contra a “ideologia de gênero” é outra questão identificada por Tarik Abou-Chadi, professor de política europeia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, como fomentadora do apoio da direita radical entre os jovens — algo que é repetido pelo Instituto de Pesquisa Geracional.
Eles perguntaram aos eleitores que estavam votando pela primeira vez se achavam a tendência LGBTQ+ “übertrieben”, que significa literalmente “exagerada”. Os entrevistados que expressaram maior nível de concordância com essa pergunta foram aqueles que planejavam apoiar o AfD.
Quando questionei Brychcy se isso poderia ser visto como retrógrado, ela respondeu que “biologicamente falando, somos homens e mulheres”, e ela acredita que as pessoas devem se apresentar de acordo com isso.
Brychcy me disse que perdeu alguns amigos por causa da política — e que agora passa a maior parte do tempo com pessoas que têm uma visão semelhante.
Ela não concorda com aqueles que veem o AfD como um movimento perigoso. Para ela, trata-se de um movimento que ofereceria uma mudança genuína e radical.
Quando pergunto a Brychcy se ela se considera de direita radical, ela diz que, em determinadas questões, como controle de fronteiras e criminalidade, “definitivamente, sim”.
É uma resposta surpreendente, especialmente porque, com frequência, o rótulo de direita radical é rejeitado pelos apoiadores do AfD, inclusive pela líder do partido, Alice Weidel, que insiste liderar um movimento conservador e libertário.
Com os horrores cometidos pelos nazistas cada vez mais distantes no passado, esta é uma geração que cresceu com partidos como o AfD — seja em programas de entrevistas na TV ou no Parlamento, depois que o AfD elegeu seus primeiros parlamentares em 2017.
Abou-Chadi acredita que a direita radical, de modo geral, se tornou mais normalizada a ponto de “não parecer mais tão radical”.
Isso apesar dos escândalos do partido, como o fato de um ícone radical do AfD, Björn Höcke, ter sido multado duas vezes no ano passado por usar um slogan nazista, embora tenha negado ter feito isso conscientemente.
O AfD é classificado como um partido extremista de direita pelas autoridades em três Estados alemães — inclusive, na Saxônia —, uma designação que o partido contestou sem sucesso no tribunal.
É um Estado em que o número de “indivíduos extremistas de direita” atingiu um “novo recorde”, de acordo com um relatório divulgado no ano passado pelo serviço de inteligência doméstica da Saxônia, que mostrou dados desde 2015.
Narrativas questionadas
Em um shopping na cidade de Chemnitz, na Saxônia, encontramos um grupo de jovens que — embora não queiram falar oficialmente —, nos dizem que são de direita.
Vestidos de preto, com cabelos uniformemente curtos, eles manifestam suas crenças de que a homossexualidade é errada, e temores de que a “raça” alemã esteja ameaçada por causa da comunidade cada vez maior de imigrantes.
Eles questionam as narrativas sobre o passado do seu país, aparentemente uma referência à era nazista.
A professora de história e estudos sociais Diana Schwitalla diz que ouviu alunos negarem o Holocausto e descreverem Hitler como um ‘homem bom’
BBC
Diana Schwitalla é professora de história e estudos sociais há oito anos. Ela diz que testemunhou um caso de negação do Holocausto em sala de aula, e ouviu outros comentários preocupantes.
“Ouvimos dizer que a Segunda Guerra Mundial foi, na verdade, uma coisa boa, e que havia um motivo para as pessoas morrerem naquela época — e que isso é bom. Hitler é descrito como um homem bom”, conta Schwitalla.
“Muitos estudantes… estudantes muito jovens, (que) dizem que não importa em quem eu voto, eles vão fazer o que quiser ‘lá em cima’ de qualquer maneira. A questão sobre quem está ‘lá em cima’, eu não tenho uma resposta para isso”, ela acrescenta.
Nós nos encontramos com ela ao longo de dois dias, inclusive em um curso profissionalizante para adultos em Freiberg, que fica no terreno de um antigo campo de concentração nazista. Mulheres judias, trazidas de Auschwitz, foram usadas como mão de obra escravizada neste campo para fabricar peças para aviões.
Ouvimos alguns comentários em oposição aos níveis de imigração na Alemanha, além de um desejo de orgulho nacional.
No primeiro dia, conhecemos Schwitalla, que está ajudando a organizar uma eleição simulada para os alunos como uma forma de ensiná-los sobre democracia em outro curso na cidade de Flöha, a cerca de 24 quilômetros de Freiberg.
Conversamos com Cora, Melina e Joey, todos com 18 anos.
Cora diz que já ouviu homens da idade dela manifestarem o desejo de que as mulheres fiquem em casa, remetendo a uma época “em que as mulheres cuidavam das crianças e, quando o marido chegava do trabalho, a comida estava pronta”. Ela compara isso à tendência conhecida como “tradwife” (neologismo para “esposa tradicional”, em inglês) de aderir aos papéis tradicionais de gênero.
Cora e Melina manifestam seu temor quanto a um retrocesso nos direitos das mulheres, inclusive no que se refere ao aborto e até mesmo, surpreendentemente, ao direito de votar. “Felizmente, isso ainda não está sendo discutido na política”, diz Melina. “Mas já ouvi discussões sobre as mulheres não serem mais autorizadas a votar nas eleições”.
Um pequeno grupo de estudantes faz fila para votar na hora do almoço, e os resultados mostram o Die Linke em primeiro lugar— o partido de esquerda que é relativamente popular entre os jovens, mas que tem apenas cerca de 5% das intenções de voto a nível nacional.
O AfD ficou em segundo lugar, reforçando o que Abou-Chadi descobriu, que “os jovens são muito mais propensos a escolher um partido mais à esquerda ou mais à direita do que um partido centrista”.
Não é um voto de protesto
O AfD, cujas questões emblemáticas incluem a segurança, as fronteiras e a criminalidade dos migrantes, agora está adotando o conceito de “remigração” — uma palavra da moda entre a direita radical europeia que é amplamente entendida como sinônimo de deportações em massa.
Conversando com pessoas na Alemanha, ficou claro que o apoio ao AfD não pode ser interpretado apenas como uma forma de voto de protesto, mesmo que haja frustração com os partidos que tradicionalmente governaram a Alemanha. Celina, Dominic e Nick — e outras pessoas com quem conversamos — esperam e acreditam genuinamente que o AfD poderia colocar a Alemanha no caminho de uma mudança radical.
Ainda é verdade que outros partidos não vão entrar em coalizão com o AfD, mas em janeiro uma moção não vinculativa foi aprovada no Parlamento alemão graças aos votos do AfD pela primeira vez.
Abou-Chadi acredita que, a longo prazo, pode haver uma mudança ainda mais sísmica.
“E assim que os partidos mais tradicionais começarem a abrir mão do ‘firewall’ ou cordão sanitário, a direita radical vai começar a canibalizar a direita.”
“É muito provável que, em muitos ou na maioria dos países europeus, os partidos de direita radical vão ser o principal partido da direita — ou já sejam”, ele acrescenta.
Partidos como o AfD têm se esforçado muito para tentar se normalizar aos olhos do público.
Embora existam pessoas na Alemanha e na Europa que veem a direita radical como uma força extremista e até antidemocrática, parece que o esforço de “normalização” está funcionando, principalmente entre os jovens.