Tempos estranhos

Em tempos estranhos, o óbvio tem o poder de se transformar em algo extraordinário, basta parar um pouco, observar e refletir. Não precisa sequer de muito tempo, porque isto implicaria em retirar alguém do fantasioso mundo das redes sociais, onde o ódio e as falsas informações proliferam e contagiam, porque o mal se alastra com uma rapidez impressionante.
Em férias com a família pelos Estados Unidos, não há como se impressionar com a grandeza deste país, feito, essencialmente, por imigrantes fugidos das guerras, das perseguições políticas e religiosas, da fome e da miséria… Nova York, por exemplo, encanta pelo seu cosmopolitismo e pela mistura de culturas, etnias e idiomas num caldeirão em que o mundo parece ferver, exalando um cheiro bom, proporcionando um sabor especial.

No Memorial do 11 de Setembro, em que é rememorado o trágico ato terrorista que fez desabar as Torres Gêmeas, causando a morte de milhares de pessoas, uma frase chama a atenção: “No day shall erase you from the memory of time”. Nenhum dia deverá apagar você da memória do tempo. Assim disse Virgílio, o poeta da Eneida. As memórias do tempo não podem ser apagadas, pois elas servirão de farol para o futuro, para que as coisas ruins não se repitam; para que as coisas boas sejam melhoradas. Isso quase nunca funciona com o ser humano. Não parecemos aprender com os erros do passado e, por isso, eles sempre voltam, mais fortes e mais poderosos.

Andando pelas ruas do Chelsea, pela High Line, precisamente, chama minha atenção o mural de um prédio. Nele, irmã Dulce e Gandhi olham um para o outro; os dois têm as mãos flexionadas em gesto de oração. Vejo na pintura os símbolos da caridade e da paz. Os dois se olham como se dissessem o quão difícil está o mundo, mas que, ainda assim, devem continuar em seus propósitos de levar esperança aos seus habitantes. Nada está de todo perdido.

Enquanto Nova York ergue prédios que parecem alcançar o céu, instalando roof tops para que possamos tentar alcançá-lo e, quem sabe, alimentar nossa ânsia de tocar o sagrado; embaixo, são levantados muros para dividir povos e raças, fortalecidos em uma estrutura de intolerância e de ódio desmedidos.
Virgílio, irmã Dulce e Gandhi estão separados por séculos, por anos de História, mas seus legados permanecem atuais e necessários. Que a memória do tempo não apague a réstia de humanidade que ainda há em cada um de nós; e que a paz e a caridade não sejam esquecidas.

GRECIANNY CORDEIRO
PROMOTORA
DE JUSTIÇA

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