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“É melhor perguntar e parecer tolo do que não perguntar e permanecer tolo.”- provérbio chinês
Praticamente todos os canais de notícias do mundo debatem, de forma direta ou indireta, os temas da pobreza e da desigualdade. Todavia, ao formularmos as perguntas erradas, corremos o risco de jamais alcançar a verdade. Por 300 mil anos, o Homo sapiens tem sido refém da pobreza, pois, desde o nosso alvorecer, somos imersos em uma desigualdade profunda – enraizada em nossa própria genética no acesso ao capital humano e perpetuada por fatores geográficos, como a fertilidade do solo e a disponibilidade de água.
Portanto, a questão não reside em indagar por que a pobreza e a desigualdade existem – pois elas são tão naturais quanto o próprio ciclo da vida –, mas sim em compreender como a riqueza é criada e, mais importante ainda, como podemos replicar e aprimorar os modelos existentes para que aqueles que hoje permanecem à margem possam, finalmente, usufruir de seus benefícios. Para tanto, vamos analisar eventos chave nos séculos XV, XIX, XX e XXI.
O século XV foi, sem dúvida, um dos períodos mais memoráveis da trajetória humana. Foi nessa era que Johannes Gutenberg introduziu a máquina de impressão, democratizando a preservação e disseminação do conhecimento de forma inédita – um impulso que acelerou o compasso da do aprendizado e por consequência da inovação. Não obstante, iniciava-se também a era das explorações, com as audaciosas caravelas desbravando os mares desconhecidos, enquanto a gênese da primeira bolsa de valores surgia para solucionar o dilema da descoberta de preços e harmonizar os princípios da oferta e da demanda. Esse marco histórico lançou, de forma definitiva, os alicerces para o mercado de capitais, a alocação estratégica de recursos financeiros e a gestão de riscos, transformando para sempre o panorama econômico mundial.
O século XIX foi impulsionado por uma questão crucial: como produzir mais, mais rápido e a um custo menor, de modo a suprir a crescente demanda por alimentos, vestuário, transporte e uma infinidade de bens essenciais. A resposta veio com a Revolução Industrial, um ponto de inflexão na história da humanidade. A mecanização dos processos produtivos, aliada ao avanço da engenharia e da energia a vapor, permitiu que máquinas executassem tarefas repetitivas com velocidade e precisão muito superiores às capacidades humanas.
O impacto foi estrondoso. Tome-se o exemplo da indústria têxtil: antes da Revolução Industrial, a produção manual de um rolo de tecido de algodão podia levar mais de 200 horas de trabalho humano. Com as novas máquinas de fiação e tecelagem, esse tempo foi reduzido para menos de 20 horas – uma redução de 90% no tempo necessário. Como consequência, o preço do produto final caiu drasticamente, tornando roupas acessíveis não apenas à elite, mas também às massas.
No século XX, o desafio era conectar o mundo inteiro em tempo real – uma proposta audaciosa que culminou na criação da internet. Essa revolução não foi apenas uma melhoria incremental; ela transformou radicalmente a forma como vivemos, trabalhamos e interagimos. Por exemplo, a capacidade de enviar um e-mail instantâneo para qualquer parte do globo substituiu a morosidade dos antigos métodos de comunicação, resultando em uma aceleração dos processos empresariais e em uma eficiência sem precedentes.
Um exemplo concreto é o caso do eBay: lançado em 1995, o site revolucionou o comércio ao permitir que compradores e vendedores de todo o mundo realizassem transações instantâneas, substituindo os longos processos dos leilões tradicionais. Em apenas cinco anos, o eBay registrou um crescimento de receita que ultrapassou 1.000%, evidenciando como a conectividade digital não apenas encurtou os ciclos de inovação e eficiência, mas permitiu o enriquecimento de indivíduos que comercializavam bens e serviços antes considerados ilíquidos ou sem demanda regional suficiente.
Qual é a pergunta central do século XXI? Antes de apresentar o que acredito ser a resposta, é crucial refletir sobre a ampliação dos mecanismos já estabelecidos para regiões que ainda não os adotaram. Contudo, essa extensão não garante uma adoção célere o bastante para evitar o ceticismo de alguns agentes políticos, que podem, com facilidade, interpretar a implementação gradual como evidência de que o sistema “não está funcionando” ou mesmo sugerir que “existe uma fórmula melhor” – mesmo que esta não exista.
Não podemos ignorar o conflito de interesses que se instaura entre agentes cuja agenda colide com a do bem comum. Considere, por exemplo, o dilema seguinte: se um partido comprometido com a elevação dos menos favorecidos os impulsiona à prosperidade, quem, de fato, votará nele nas próximas eleições? À primeira vista, tal questionamento pode soar estranho, mas, quando o emprego do agente público e seu sustento familiar estão atrelados ao peso de cada voto, a questão deixa de ser meramente hipotética e revela sua crueldade no cenário político atual.
Considerando que mais da metade da população mundial já se distanciou de suas origens na pobreza, surge a indagação: qual é a característica primordial que distingue esses modelos sociais, além do capital? Tudo aponta para a confiança. Civilizações prósperas souberam edificar aparatos que só podem existir na medida em que há confiança entre pessoas físicas e jurídicas. Instituições como o dinheiro, os bancos, os contratos, a propriedade privada e as eleições são exemplos palpáveis desse pacto social, essenciais para o funcionamento e a evolução de sociedades complexas e modernas.
Por exemplo, a desconfiança generalizada em relação às moedas de diferentes países, em distintos momentos, desencadeou processos de desvalorização que reduziram o poder de compra, impulsionando a inflação, a pobreza e a desigualdade. Assim, é imperativo estabelecer um catalisador de confiança social — condição sine qua non para o avanço civilizatório. Ao acelerar esse processo e, se possível, eliminar intermediários e oligopólios, abriremos caminho para um enriquecimento mais robusto e assertivo dessas populações.
A tecnologia blockchain, elemento central da terceira geração da web, confere-nos a capacidade singular de criar registros históricos imutáveis. Essa inovação pode e deve ser empregada para responder, de forma inequívoca, à questão fundamental: “Ele é confiável?”
Pensemos em exemplos concretos: de todas as vezes que uma empresa obteve crédito, quantas vezes ela quitou suas obrigações pontualmente? De quem é a posse de determinada terra? O diploma possui validade autêntica? Há registros de antecedentes criminais? Qual é a real qualidade das entregas realizadas? O orçamento governamental foi distribuído entre diversas prioridades de maneira representativa? São milhares de questões que hoje dependem demasiadamente de um voto de fé, frequentemente conduzindo a desastres evitáveis.
O segredo reside em iniciar de forma modesta e expandir progressivamente. Devemos começar com ZEGAs (Zonas Experimentais de Governança Autônoma) com até 20 mil habitantes, criando nelas as condições ideais para a geração de riqueza. À medida que melhores práticas se consolidam, o processo poderá ser replicado em novas ZEGAs, avançando sistematicamente e exponencialmente na erradicação da pobreza, uma comunidade experimental após a outra. Se, ao final dessa trajetória, alcançarmos nosso propósito em uma única geração, teremos certeza de que fizemos a pergunta certa.
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