Sob ameaça de uma aliança entre Donald Trump e Vladimir Putin acerca da Guerra da Ucrânia e com a ameaça direta do americano de abandonar os seus parceiros europeus à própria sorte, a França resolveu sacar a carta nuclear.
O presidente do país, Emmanuel Macron, afirmou no sábado (1º) que está pronto para discutir a oferta de seus arsenais atômicos para proteger outros países da região ante as ameaças de segurança vindas da Rússia.
“Sempre houve uma dimensão europeia para os interesses vitais da França em sua doutrina nuclear”, disse Macron à TV portuguesa RTP. Ele participará do encontro de líderes europeus continentais com Volodimir Zelenski, no Reino Unido neste domingo (2).
O ucraniano acaba de chegar de Washington, onde fora submetido a uma sessão de ataques públicos por Trump na sexta-feira(28), quando o americano praticamente o expulsou da Casa Branca após baterem boca acerca dos rumos da guerra.
O republicano adotou a visão russa sobre o início do conflito, há três anos, e parece disposto a aceitar a solução de Vladimir Putin para a guerra agora, com perda territorial para a Ucrânia e nenhuma garantia de segurança vinda dos Estados Unidos.
No ano passado, o francês havia entrado numa troca de acusações com Putin, que havia ameaçado uma guerra nuclear se Paris enviasse os soldados que havia proposto à Ucrânia. Macron então testou um míssil de cruzeiro nuclear para sinalizar ao Kremlin, mas na semana passada admitiu que a rusga visou estabelecer “ambiguidade diplomática”.
A imprensa britânica vinha especulando a jogada do francês, dizendo que o premiê do país, Keir Starmer, estaria pronto para apoiá-la. Segundo essa versão, os franceses ofereceriam colocar caças Rafale equipados com mísseis de cruzeiro nucleares para serem baseados na Alemanha.
Hoje a defesa nuclear da Europa no escopo da aliança Otan é definida pelos EUA, que mantém cem ogivas nucleares da família B61 em seis bases em Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália e Turquia. A base de Lakenheath, no Reino Unido, está acabando de receber obras de recuperação e deverá voltar a receber os armamentos, 20 anos após terem sido retirados de lá.
Essas bombas podem ser lançadas por caças F-35, F-16 e Panavia Tornado e têm caráter tático, ou seja, menor potência e uso presumido contra alvos militares restritos.
A França, por sua vez, é membro da Otan, mas sua cadeia de comando nuclear é independente. O país tem quatro submarinos de propulsão nuclear armados com mísseis estratégicos, capazes de obliterar cidades.
Além disso, tem cerca de 50 mísseis ASMPA, com ogivas táticas, que podem ser lançados por 20 caças Rafale modificados para a missão. O baixo número torna incerto se Paris retiraria os aviões de sua base em Saint-Dizier para reforçar um ponto na Alemanha mais próximo da Rússia.
Durante a Guerra Fria, os franceses chegaram a ter caças estacionados no vizinho, mas eles operavam bombas atômicas americanas. O racha entre Paris e a Otan nos ano 1960 acabou, hoje mais ou menos resolvido, acabou com o esquema.
O Reino Unido é a terceira potência nuclear da Otan, com 225 ogivas. Só que Londres opera em consonância com a estratégia americana, e hoje só emprega as bombas em mísseis Trident-2D5 em seus quatro submarinos nucleares da classe Vanguard. Cada míssil pode levar de 8 a 12 ogivas.
Assim, mesmo que queira apoiar um esquema europeu, os britânicos não terão ativos baseados em terra para oferecer a outros aliados. A proximidade das forças de Londres e de Washington é também um impeditivo político.
Com tudo isso, a posição de Macron, que aliás repete a do governo francês em 2007, rejeitada por Berlim, sugere mais uma demonstração política ante o vendaval Trump. A agressividade do americano ante seus parceiros de Otan e a Ucrânia tem deixado os líderes continentais desnorteados.
Além de tudo, Putin tem o dedo no botão de 1.710 ogivas prontas para uso, fora as reservas que elevam em três vezes o número de bombas. Os franceses têm 290. Por fim, é algo irrealista supor um confronto entre Rússia e Europa que não escale para uma guerra generalizada com os EUA, apesar da retórica de Trump, dadas as provisões de defesa mútua da Otan.
Há questões domésticas também. A líder da ultra direita francesa, Marine Le Pen, criticou Macron pela oferta. “A dissuasão nuclear francesa deve permanecer francesa”, afirmou no sábado. “Não deve ser compartilhada, muito menos delegada”, completou.
O tema nuclear volta e meia retorna ao noticiário do continente enfrentando sua pior guerra em 80 anos. A Polônia, por exemplo, quer ser incluída no guarda-chuva dos EUA de armas táticas desde que Putin colocou esses armamentos na aliada e vizinha Belarus, em 2023.
(FolhaPress)
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