Cineasta do interior de SP ganha prêmio em Cannes com filme sobre cultura e educação no Brasil: ‘Convite à reflexão’


Camila Vinhas Ítavo, de Araçatuba (SP), teve documentário ‘Gesta do Gesto’ premiado no Silk Road Film Awards Cannes. Produção sobre a trajetória do sistema educacional brasileiro e a cultura indígena também concorre a festival no Japão. Moradora de Araçatuba conquista prêmio em Cannes com documentário sobre cultura e educação no Brasil
Arquivo pessoal
Um documentário produzido por uma cineasta de Araçatuba (SP) foi premiado no Silk Road Film Awards Cannes, na França. O trabalho aborda questões profundas sobre a cultura indígena e o sistema educacional público no Brasil. A obra também concorre ao Tokyo Women’s Filme Festival, no Japão, cujo resultado será divulgado neste domingo (9).
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O documentário “Gesta do Gesto”, da diretora Camila Vinhas Ítavo, de 50 anos, conecta passado e presente de forma poética e reflexiva. Durante a avaliação, os jurados do Silk Road Film Awards Cannes analisaram a qualidade dos filmes e roteiros recebidos, a criatividade e a capacidade de contar histórias, com o objetivo de descobrir cineastas e roteiristas independentes.
Em entrevista ao g1, Camila explicou que a proposta do filme foi amadurecendo ao longo dos anos, com imagens de diferentes momentos da sua vida, como as filmagens com sua avó, realizadas em 2009 em São Paulo, e as imagens no Xingu, feitas em 2011.
“Eu estava fazendo uma pós-graduação em história e narrativas audiovisuais e, como parte dessa formação, deveria produzir um curta-metragem. Porém, quando comecei a trabalhar no projeto, percebi que tinha um longa-metragem em minhas mãos”, explica Camila.
Reflexão sobre o gesto humano
“Gesta do Gesto” explora o gesto humano como um elemento central na história, desde as práticas cotidianas até as manifestações culturais e educacionais. Camila apresenta uma narrativa que entrelaça a resistência indígena e a realidade do sistema educacional brasileiro, abordando o impacto da colonização e os desafios enfrentados pelas populações marginalizadas.
“Eu vejo meu avô, que foi boiadeiro, e minha avó, uma mulher à frente de seu tempo, como reflexos da resistência e da busca pela autonomia. Eles me ensinaram que o gesto, mais do que uma ação física, é um símbolo de luta e identidade”, afirma.
Conceição Alves Vinhas e Abrahão Vinhas, avós de Camila Vinhas Itavo que participam do filme
Arquivo pessoal
Processo de produção
Embora o documentário tenha sido filmado em diversas locações, como São Paulo (SP) e Goiânia (GO), a produção foi realizada inteiramente pela cineasta, que assumiu várias funções que vão da direção à produção musical. Isso trouxe um caráter íntimo e pessoal ao trabalho, no qual ela dialoga diretamente com as imagens e o conceito do gesto, como forma de resistência.
“Eu estava criando não apenas um filme, mas também uma reflexão profunda sobre como o cinema e a arte podem ser usados para investigar e resgatar nossa história e nossa cultura”, conta.
Camila acredita que o filme, que mistura pesquisa teórica e prática audiovisual, é um convite à reflexão sobre o valor do corpo humano e a natureza do gesto.
Camila e sua avó em um dos diálogos do filme ‘Gesta do Gesto’
Reprodução/’Gesta do Gesto’
Para ela, um dos momentos mais marcantes foi a gravação com sua avó, que passou parte da juventude no campo, conduzindo um carro de boi, e, mais tarde, conquistou um brevê de piloto de avião, sendo a segunda mulher no mundo a alcançar este feito. Essa transição, da vida rural para a revolução industrial, simboliza a resistência cultural, conceito principal do filme.
“A minha avó é um reflexo da revolução industrial. Ela viveu as transformações da sociedade, mas sempre preservando a natureza e a identidade”, afirma a cineasta.
Conceição Alves Vinhas é a segunda mulher a tirar ‘carta’ de avião, ficando atrás apenas de uma americana
Arquivo pessoal
Camila ainda destaca a importância de seu filme como um “convite à reflexão sobre o valor de cada gesto, seja ele anônimo ou heroico”, e de como a arte pode ser um instrumento de transformação social.
Ela vê o gesto como um símbolo de poder e autonomia, especialmente em uma época em que muitas identidades e histórias culturais são esquecidas.
Multidisciplinaridade
A cineasta araçatubense também destaca que esta é uma obra interdisciplinar, unindo elementos como dança, fotografia, teatro e cinema. Para ela, é um “filme-ensaio” que trata de questões pessoais, mas que, ao mesmo tempo, traz o debate social sobre a identidade, a cultura e a resistência.
“Esse filme é muito performático. Tem um aspecto de performance, e mistura também um cinema marginal, que usa os recursos disponíveis no momento para tratar de temas atuais e pontuais”, explica.
O processo de criação do filme foi como um “quebra-cabeça” para Camila. A montagem, que levou em consideração as múltiplas influências de sua trajetória, foi feita com muito cuidado, sendo um trabalho solitário que refletiu sua visão pessoal e social.
Trecho do filme ‘Gesta do Gesto’, no qual Camila acompanha a manifestação de alguns estudantes
Reprodução/’Gesta do Gesto’
Premiação
Embora tenha sido premiado em festivais internacionais, como o Silk Road Film Awards Cannes, o Vancouver Independent Film Festival e o Austin International Art Festival, a diretora ainda aguarda a oportunidade de exibir o filme em sua cidade natal, além de reconhecimento nacional.
Ela destaca a importância de o curta-metragem ser visto no Brasil, já que aborda a história e a cultura de um país rico em diversidade.
“É incrível que o filme esteja sendo reconhecido fora do Brasil, mas também sinto falta de mostrá-lo aqui, em Araçatuba, para as pessoas que vivem aqui e conhecem essas histórias”, diz Camila.
Pajé Takumã Kamayurá foi um dos personagens do longa, que teve parte das gravações no Xingu
Reprodução/’Gesta do Gesto’
A cineasta também revela que, durante a produção, enfrentou momentos desafiadores, como gravações sob chuva intensa e até perseguições enquanto filmava com os estudantes.
“Eu estava lá para mostrar a realidade sem interferir, sem ser narradora. Passei por muitas dificuldades, mas também tive muitos momentos felizes”, lembra.
Legado
Jovens manifestantes fazendo passeata debaixo de chuva em ‘Gesta do Gesto’
Reprodução/’Gesta do Gesto’
O trabalho de Camila com “Gesta do Gesto” vai além da exibição de uma realidade difícil. Busca mostrar a força de uma resistência silenciosa, mas poderosa, que se manifesta por meio do gesto.
“O filme é um convite para que cada um de nós reflita sobre o valor da nossa própria história, e como, mesmo diante de adversidades, podemos resgatar nossa autonomia e identidade”, conclui.
Povos originários do Xingu capturados em ‘Gesta do Gesto’
Reprodução/’Gesta do Gesto’
*Colaborou sob supervisão de Henrique Souza
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