Cérebro não faz “faxina” com remédios para dormir

Não muito tempo atrás, um estudo revelou que o cérebro realiza um processo de “faxina” enquanto estamos dormindo, para eliminar detritos acumulados enquanto estamos acordados. Esse processo essencial reduz as chances de doenças degenerativas sérias, como o Mal de Alzheimer, nos lembrando que a qualidade de nosso sono é importantíssima para a nossa saúde e bem-estar.

  • Uma boa noite de sono e uma “faxina” no cérebro
  • Cérebro de ratos possui modo de “baixa energia”

O problema, e muita gente não vai gostar disso, é que o cérebro só entra no modo de limpeza se o sono for natural; tanto o uso de remédios para dormir, quanto anestesias, desligam o mecanismo completamente.

Segundo estudo, o uso de remédios para dormir desliga o processo de "faxina" do cérebro, e aumenta o risco de doenças como o Alzheimer (Crédito: iStock)

Segundo estudo, o uso de remédios para dormir desliga o processo de “faxina” do cérebro, e aumenta o risco de doenças como o Alzheimer (Crédito: iStock)

Cérebro só faz faxina ao natural

Antes de mais nada, vamos recapitular:

Nós sabemos que o cérebro não exatamente “dorme”, mas continua realizando atividades diversas durante o sono. Os sonhos, por exemplo, mantêm a atividade como se estivéssemos acordados, e em outros momentos, os neurônios disparam uma série de “ondas rítmicas”, ligadas ao sistema glinfático.

Este sistema, também chamado de sistema paravascular, são uma rede de canais cuja função é remover detritos do sistema nervoso central, uma vez que este não possui vasos linfáticos. Ambos sistemas trabalham em conjunto, para a retirada de fragmentos de proteínas principalmente do cérebro, realizando troca de fluidos entre eles.

O cérebro, embora responda por apenas 2% da massa corpórea, consome 500 calorias por dia, ou 25% de uma dieta diária balanceada, e toda essa comilança deixa sujeiras para trás. Já se sabia que esses fragmentos de proteínas, quando depositados no cérebro, favorecem a ocorrência de doenças degenerativas graves, e assim, a limpeza realizada pelo sistema glinfático é essencial.

Em fevereiro de 2024, um estudo publicado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, sobre o qual falamos no Meio Bit em abril do mesmo ano, analisou o cérebro de ratos para notar como o cérebro deles se comporta enquanto dormem, e outros vieram na esteira para repetir os resultados, mas todos tinham um método em comum, os espécimes estavam anestesiados.

O que a equipe da Dra. Natalie Hauglund, pós-doutoranda da Universidade de Oxford, no Reino Unido, propôs, foi observar se haveria alguma diferença no processo de “limpeza glinfática” caso os ratinhos dormissem de maneira natural. Isso por si só cria uma complicação dos diabos, a anestesia permite que as cobaias sejam mantidas controladas, e a maioria dos exames de escaneamento cerebral depende do paciente, humano ou animal, ficar paradinho. Como você vai observar a atividade cerebral em espécimes ativos?

A solução foi usar um método chamado fotometria de fibra, que consiste em um eletrodo instalado na cabeça dos ratos, para observar marcadores fluorescentes, colocados no sangue, no líquido cefalorraquidiano (LCR), e no hormônio norepinefrina, um neurotransmissor que, entre outras coisas, influencia o sono.

Esquema demonstrando a diferença entre o padrão de ondas cerebrais entre um ratinho acordado, e um dormindo no estado de sono NREM (Crédito: Oxford University)

Esquema demonstrando a diferença entre o padrão de ondas cerebrais entre um ratinho acordado, e um dormindo no estado de sono NREM (Crédito: Oxford University)

Uma vez instalado o eletrodo e aplicados os marcadores, os ratinhos foram observados acordados e enquanto dormiam naturalmente, até atingirem o estado de sono NREM, o que compõe cerca de 80% do tempo enquanto dormimos. É nessa fase em que o cérebro dispara o processo de limpeza glinfática, e a equipe da Dra. Hauglund coletou alguns dados interessantes, não observados nas pesquisas anteriores.

A norepinefrina é disparada em regiões específicas, geralmente quando o indivíduo está numa situação de estresse agudo, também chamado “reação de lutar ou fugir”. Sua principal função é forçar os vasos sanguíneos a contrair, e durante o sono NREM, ela é liberada em ciclos de um minuto. Quando há aumento na quantidade do neurotransmissor, a quantidade de sangue diminui, os espaços perivasculares entre os casos aumentam, e estes são preenchidos com LCR, lembre-se, rico em detritos.

Quando os níveis de norepinefrina caem, os vasos se dilatam, a quantidade de sangue aumenta, e esse influxo força o LCR para fora do sistema, fazendo uma troca com um líquido intersticial (LI) que preenche os espaços entre as células; este fluido, ao entrar no sistema linfático passa a ser chamado de linfa, que leva a sujeira embora.

Note, o fluxo de norepinefrina é ritmado em ondas longas, os capilares literalmente bombeiam todos os detritos para fora do sistema nervoso, mas para tudo funcionar, é essencial que o sono seja natural; quando os pesquisadores doparam os ratinhos com zolpidem, um popular remédio para dormir, todo o mecanismo foi desligado. Anestesias funcionam da mesma forma, ou seja, estudos anteriores estavam usando uma metodologia viciada, o que não seria lá uma novidade.

O estudo aponta para o óbvio, um sono tranquilo à base de remédios pode ser prejudicial a longo prazo, pois não permite ao cérebro realizar a limpeza glinfática, um mecanismo essencial para dar cabo de detritos do processo metabólico, e esses fragmentos de proteínas só irão se acumular com o tempo. Em uma idade mais avançada, isso significa que as chances de desenvolver Alzheimer, Parkinson, ou outras doenças degenerativas, aumentam bastante.

Segundo a Dra. Haugland, sua pesquisa pode servir como um alerta para o desenvolvimento de novos e melhores medicamentos para dormir, que não desliguem a limpeza glinfática e acabem causando danos ao usuário, e, ao mesmo tempo, ainda permitam a quem sofre de insônia e outros distúrbios do sono a terem uma noite tranquila, e mais importante, segura a longo prazo.

Referências bibliográficas

HAUGLUND, N. L., ANDERSEN, M., TOKARSKA, K. et al. Norepinephrine-mediated slow vasomotion drives glymphatic clearance during sleep. Cell, volume 627, 8 de janeiro de 2025.

DOI: 10.1016/j.cell.2024.11.027

Fonte: Ars Technica

Cérebro não faz “faxina” com remédios para dormir

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