Faculdade de Direito abriu sindicância e encaminhou relatório para Procuradoria-Geral da instituição, que dará parecer à direção sobre a abertura ou não de um Processo Administrativo Disciplinar contra o professor Alysson Mascaro. Ele nega as acusações. Professor Alysson Mascaro é investigado em sindicância interna na USP após denúncias de assédio sexual; ele nega as acusações
Reprodução/Instagram
Conversas prometendo orientação acadêmica e indicações profissionais na área jurídica que se transformaram em mensagens íntimas, abraços desconfortáveis e tentativas de beijos.
É o que relatam quatro ex-alunos do professor Alysson Mascaro, da Universidade de São Paulo, que o acusam de assédio sexual e foram ouvidos pelo g1 entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano.
Diante das denúncias, a USP instaurou uma sindicância preliminar em dezembro e afastou o professor temporariamente, por 60 dias, afirmando que havia “fortes indícios de materialidade dos fatos”.
Em 9 de janeiro, o relatório da sindicância foi enviado para a Procuradoria-Geral da USP, a quem caberá dar um parecer à diretoria da universidade sobre a abertura ou não de um Processo Administrativo Disciplinar, que poderá resultar até na exoneração do docente.
Mascaro nega as acusações. Segundo a advogada de defesa, Fabiana Marques, os relatos não têm nenhum indício de materialidade.
Em nota enviada em dezembro, a defesa afirmou também que “os supostos relatos (anônimos) contra o professor surgem em um contexto no qual diversos perfis fakes de Instagram são criados para propagar calúnias, inverdades e estimular intrigas” (leia a íntegra mais abaixo).
Os relatos dos quatro ex-alunos de Mascaro ao g1, muito semelhantes no teor, foram feitos individualmente. Eles não se conheciam e pediram para não ser identificados, portanto nem nomes nem cidades em que moram serão divulgados.
As denúncias dos estudantes apontam que o professor Alysson seguia um roteiro: começava as conversas prometendo indicações profissionais e falava sobre as ligações influentes que tinha na área jurídica. Depois de se aproximar, fazia convites para que os alunos conhecessem a casa dele na área central de São Paulo, onde a maioria dos episódios de assédio ocorreu, segundo relatos.
Veja abaixo:
‘Mostrou quadro do Hércules, me abraçou e disse que seria meu mestre’
Em entrevista ao g1, um ex-aluno que não mora no estado de São Paulo contou que seu contato com o professor começou na pandemia, em 2020. Como as aulas presenciais foram suspensas, ele passou a assistir a palestras do professor pela internet e resolveu participar de um grupo de pesquisa a distância coordenado por Mascaro.
“Me pareceram interessantes as palestras e saiu uma notícia que ele tinha aberto um grupo de pesquisa.” Ele entrou para o grupo e relata que chegou a participar de uma reunião online com Mascaro em 2021 em que ele fez várias perguntas pessoais, mas que não soaram estranhas na época.
Foi em 2022 que a primeira situação de assédio sexual ocorreu, segundo o ex-aluno. Ele conta que se prontificou a organizar um encontro entre Mascaro e estudantes da sua universidade depois que o próprio professor pediu no grupo de pesquisa que fossem feitos encontros presenciais nas faculdades dos participantes.
Mascaro, então, foi à cidade se encontrar com os alunos. Antes do evento, os dois participaram de um almoço com organizadores e professores. No fim, diz o ex-aluno, o professor pediu que ele fosse até o hotel em que estava hospedado para os dois conversarem, e ele aceitou.
“Ele chegou, eu o cumprimentei, e ele me deu um abraço um pouco longo, mas pensei que podia ser [o jeito] da pessoa. Ele parou e falou: ‘Obrigado por organizar tudo. Depois queria ter uma conversa com você’. Eu pensei: ‘Tá bom’. Ele: ‘Vamos tomar um café’. Até aí foi normal”, relata.
“Todo mundo almoçou e ele foi para o hotel. Falou se podia conversar comigo no quarto do hotel porque estava muito cansado. Eu pensei: ‘Ah tudo bem, ele viajou’. Na hora que cheguei no quarto, ele me deu um abraço muito longo e abriu a porta. Deu outro abraço longo enquanto inclinava o quadril, algo bem desagradável. Ele disse que íamos conversar e falou: ‘Está muito quente, vou tirar minha camisa. Você não vai tirar?’ Aí falei: ‘Não vou.”
“Eu fiquei constrangido. Ele ficou meio bravo e colocou a mão nos botões. Aí eu tirei [a camisa], ele deitou na cama e falou: ‘Não quer deitar?’. Eu: ‘Não quero’. Eu sentei em uma cadeira e começamos a conversar numa situação desconfortável.”
LEIA TAMBÉM
Professor da Unesp suspeito de assediar sexualmente alunas é demitido
Estudantes da Unesp protestam contra professor após denúncia de assédio sexual
Professor é condenado por assédio sexual contra aluna da Universidade Federal do Rio Grande
Ainda segundo o ex-aluno, o professor passou a questionar a situação econômica dos pais dele, e se ele teria que trabalhar. “Foi um conjunto de perguntas muito pessoais. Depois ele disse que percebeu que eu era um cara sozinho e falou que me daria de presente uma orientação. Aí eu mencionei que ganhei uma bolsa acadêmica. Ele levantou novamente e me deu aquele abraço longo desconfortável.”
“Ele insistiu no abraço, foi esfregando o rosto e tive a sensação de que ele tentou beijar o meu rosto. Fiquei muito desconfortável com o que aconteceu, mas não comentei com ninguém. Pensei que eu não entendi direito o que aconteceu, que poderia ser o jeito dele.”
Um ano depois, em 2023, o ex-aluno se encontrou com o professor novamente em São Paulo e mais um episódio de assédio ocorreu, de acordo com o que ele relatou ao g1.
“Em 2023, eu estava lendo um livro, fazendo pesquisa e tive uma dúvida. Mandei mensagem para ele e ele respondeu: ‘Marquei reunião para você em horário tal’. Apareci na reunião, e ele insistiu que eu fosse à casa dele quando falei que a universidade faria uma expedição para São Paulo.” O professor teria oferecido também hospedagem na casa dele.
“Eu fui. A gente saiu, tomou café e almoçou. E enquanto almoçamos, ele falou que as pessoas o reconheciam e que eu era o pupilo dele. Fomos em lugares turísticos, e em um determinado momento, ele me deu aquele abraço. Eu pensava: ‘Esse cara é desconfortável, mas não tem nada demais’.”
Conforme o ex-aluno, quando os dois foram para a casa do professor, ele mostrou quadros. Foi quando parou em um específico sobre Hércules que Mascaro deu mais uma vez o abraço desconfortável.
“Ele disse que ‘imagina se eu não tivesse o encontrado’, que eu seria uma pessoa medíocre. Aí mostrou um quadro do Hércules, me abraçou e disse que seria meu mestre, e eu, seu pupilo. Ele veio com mais abraços desconfortáveis, era bem insistente”, disse.
“Felizmente ele não cometeu estupro e minha história terminou nesse limiar. Eu confesso que estava muito nervoso, mas nem percebia isso.”
‘Disse que ia dar o abraço que Platão deu em Sócrates’
Outro ex-aluno ouvido pelo g1 relata que conheceu Alysson Mascaro em 2020 através de entrevistas dele pela internet. Por isso, decidiu participar de um grupo de pesquisa que ele coordenava e que era virtual.
“Em abril de 2021, ele respondeu meu e-mail e me enviou seu contato pessoal para que pudéssemos nos comunicar pelo WhatsApp. Marcada a conversa através de videoconferência, ele afirmou que se encantou com meu relato, que tinha lido nas entrelinhas que eu era um ‘menino muito especial’, que eu tinha talento para os estudos, que ele só convidava para conversas individuais aqueles em que via talento e sentia que tinha ‘algo além’, uma pessoa compromissada com o marxismo.”
Na época estudante, ele afirma que Mascaro se convidou a orientá-lo não apenas nos estudos, mas “na caminhada de vida”. “Disse que iria me orientar politicamente, intelectualmente, profissionalmente, que seria como um mestre e eu, seu discípulo. Inclusive, a partir desse momento, requereu que eu passasse a me referir a ele como mestre.”
“Eu estava completamente envolvido na erudição, retórica e carisma, de modo que passei a me portar exatamente como ele gostaria que eu fosse. Seguiram-se inúmeras conversas acerca de filosofia antiga, notadamente das figuras de Sócrates e Platão. A figura de Platão foi usada como argumento teórico-filosófico para me incentivar a conversar cada vez mais sobre academia e musculação.”
O ex-aluno diz que o professor passou a pedir fotos sem camisa, que mostrassem a evolução na academia. Para ele, o professor passou a ser seu melhor amigo, com quem compartilhava fotos do seu dia a dia e até viagens com a esposa.
“Da mesma forma, ele compartilhava muitas fotos de suas personalidades do mundo da musculação, como Lou Ferrino e Arnold Schwarzenegger, fazendo comentários acerca do porte físico deles.”
Saiba como denunciar casos de assédio moral e sexual
Após a aproximação com conversas mais íntimas, Mascaro o convidou para ir até São Paulo, onde poderiam falar sobre a carreira acadêmica. O ex-aluno não é da capital paulista.
“Cheguei a comentar que queria levar minha esposa nessa viagem. Ele fez questão de dizer que essa viagem era especial para o mestre e o discípulo, que seria a oportunidade de estar aprendendo 100% do tempo com ele, sem distrações, e que depois de muitos meses de contato apenas virtual, finalmente iríamos dar o abraço que Platão deu em Sócrates quando ‘este o aceitou como discípulo’. Fez questão de que eu ficasse hospedado em seu apartamento.”
O ex- aluno ressalta que foi assediado sexualmente logo que chegou ao apartamento de Mascaro.
“Chegando lá, ele me acomodou no quarto de hóspedes. Pouco tempo depois, chegou para me dar o tal ‘abraço de Platão’. Esse contato foi muito desconfortável. Foi muito mais demorado que o comum de um abraço. Ele também cheirou o meu pescoço e aproximou a pélvis da minha. Eu o afastei, muito constrangido, dizendo que queria lhe dar uma lembrança que trouxe de minha cidade.”
“Contrariado, o assediador aceitou. Depois de receber o presente, passou a me mostrar seu apartamento luxuoso, os quadros, as esculturas. Nesse ‘tour’, apontou para um quadro em específico, uma gravura de um homem musculoso carregando outro homem pelo pé. Afirmou que representava o mito grego de Hércules, onde Hércules arrastava um discípulo seu pelo pé, para que este nunca se afastasse.”
O estudante relata que, a partir disso, Mascaro quis novamente dar o “abraço de Platão”.
“Nessa segunda vez senti que o pênis dele estava ereto. Imediatamente, com bastante força, afastei o corpo do assediador do meu, dizendo em alto e bom tom que ele estava me deixando muito constrangido e desconfortável, que ele estava passando dos limites. Em razão da força que coloquei para que me soltasse, ele acabou me deixando. Passou a dizer que eu havia me enganado, que ele não estava fazendo nada demais.”
Segundo o ex-aluno, o professor afirmou que “em razão de minha criação religiosa, eu estava tomado de sentimentos machistas e homofóbicos”. “Passou a tentar justificar filosoficamente e historicamente que mestres e discípulos na Grécia antiga tinham relações sexuais entre si, e nem por isso eram menos homens.”
O ex-aluno afirma que a retórica do professor o fez questionar se realmente tinha entendido mal a situação e decidiu passou a noite no apartamento. “A retórica e a eloquência dele me deixaram me sentindo mal, como se eu estivesse confundindo tudo, que estava sendo homofóbico, que havia o ofendido.”
“Acreditava que tudo tinha sido minha culpa, que eu teria de alguma forma ‘dado sinais’ [de interesse]. Por outro lado, reprimi esses sentimentos, ainda pensando na retórica e nas desculpas recorrentes do assediador. Passei por um longo período de psicoterapia até compreender toda a extensão do que ocorreu comigo.”
No dia seguinte, porém, ocorreram outras tentativas de abraços longos e beijos no pescoço que fizeram com ele que saísse do apartamento do professor.
“Eu afirmava que estava desconfortável, que não queria aquilo. Ele tornava a se desculpar, mas depois realizava novas investidas. Não suportando mais aquela situação, e em vias de entrar em desespero, entrei em contato com minha esposa e com meu irmão.”
Ajudado pelo irmão, o ex-aluno conta que entrou em contato com amigos que moravam em São Paulo e inventou uma história a Mascaro, dizendo que tinha sido convidado a ficar na casa deles e que eles iriam buscá-lo. O ex-aluno ainda ressalta que não comentou com ninguém o que tinha acontecido por temer represálias.
“Ele sempre se vangloriava de seus contatos no Judiciário, com desembargadores do TJ-SP e do TRT, com ministros do TST, do STJ e até do STF. E eu sabia que o assediador era reiteradamente convidado a palestrar nos tribunais regionais. Temia que ele pudesse me prejudicar academicamente, meu sonho sempre foi fazer mestrado e doutorado. Eu temia assédio judicial.”
“Me sentia um idiota de ter aceitado me hospedar na casa do assediador. Sentia nojo de mim mesmo. Acreditava que tudo tinha sido minha culpa, que eu tinha sido ingênuo. Quando recebi a notícia através dos jornais de outras acusações contra o assediador, tive a infeliz surpresa de que o assediador havia, além de mim, abusado de muitas outras pessoas, que seu modus operandi era praticamente idêntico ao que sofri.”
Fachada da Faculdade de Direito do Largo São Francisco
Divulgação/USP
‘Começou a suspirar no meu ouvido e passar a boca no meu pescoço’
Ao g1, um estudante de direito relatou que foi vítima de assédio sexual por Mascaro assim que chegou à universidade no retorno das aulas presenciais após a pandemia de Covid-19.
Ele conta que ficou impressionado com o professor assim que participou de uma de suas aulas e se tornou um grande fã. Até então, não morava em São Paulo e tinha feitos apenas aulas virtuais.
“Lembro que foi uma aula sensacional. A oratória do professor provavelmente é a melhor da universidade. Ele tem uma boa postagem de voz, sabe se posicionar muito bem, faz muitas ironias dentro da sala com coisas cotidianas. É sempre uma aula muito densa, muito crítica, muito reflexiva.”
Conforme o estudante, após a aula, ele e um amigo foram até a saída da universidade para pedir um transporte por aplicativo. O amigo percebeu que havia esquecido algo na sala e, quando viraram para voltar, repararam que o professor olhava para eles. Eles o cumprimentaram, elogiaram a aula e começaram a conversar.
Denúncias de assédio moral e sexual disparam no país
“A gente viu naquele momento que ele era alguém que não estava preocupado com as formalidades. Era uma conversa de igual para igual, em que ele falava palavrão e a gente tinha liberdade para falar sem julgamentos também.”
“No final o professor disse: ‘Olha, vocês pegaram meu e-mail no quadro? Mandem uma mensagem para mim’. Ele deu a mão, apertou minha mão e puxou para um abraço. Um abraço que a gente ficava com a mão no peito. Era um abraço respeitoso porque havia a distância dos braços em relação ao corpo. Mas era um abraço longo, meio que paternal”, disse.
O aluno diz que, após essa conversa, resolveu enviar um e-mail agradecendo o professor pelo diálogo.
“No dia seguinte, ele me respondeu: ‘A partir de agora, conte comigo para a sua caminhada acadêmica e em São Paulo também para o avanço das aulas de minha matéria na faculdade’.”
“Eu respondi e perguntei dicas para conhecer restaurantes, café ou bares na cidade. Ele demorou basicamente 11 dias para me responder e quis saber se estava acompanhando suas aulas. Dá para ver nitidamente que, nessa resposta, o professor não respondeu a minha pergunta. Ele apenas induziu para que essa conversa fosse feita pessoalmente.”
“Eu acabei não o procurando pessoalmente. Um dia ele estava no corredor, me viu e foi diretamente falar comigo. Perguntou como foi a prova. Respondi que achava que tinha ido bem. Disse ‘que bom, fico muito feliz’. E acrescentou: ‘Eu sei que está difícil a gente conversar por e-mail, faz o seguinte, vai lá em casa. Vamos tomar um café. Aproveita que você mora lá perto de mim mesmo’. E aí disse que passaria o WhatsApp. Eu fiquei muito honrado por aquele convite.”
O aluno diz ainda que, no dia combinado com o professor, ele mandou uma mensagem questionando se seria na casa do Mascaro mesmo ou se ele preferia em algum bar. O professor teria dito que seria na casa dele e que não iria ser incômodo.
“Eu subi e, quando saí do elevador ele com a porta aberta e de terno. Um botão da camisa desabotoado, mas nada desrespeitoso. Havia uma certa formalidade ali. A gente se cumprimentou com o mesmo abraço da universidade, aquele abraço que dá as mãos primeiro. E eu disse que o apartamento era bacana”, conta o estudante.
“Ele ia me mostrar alguma coisa e, do nada, pegou meu braço como o pai pega uma criança, para poder puxar. Eu achei aquilo muito esquisito, desnecessário. Me causou estranhamento. Hoje eu percebo que ele estava me testando, ele queria ver se eu ia reagir ou não.”
O estudante conta que, durante a visita, ele fez um “tour” e foi mostrando quadros e esculturas. “Na sala, ele tem um monte de escultura, quadros. Foi mostrando cada um, contando um pouco a história, aproveitando para falar da sua relevância. E no final tem uma escultura de madeira de mais ou menos 1 metro e tem o falo acentuado. Ele contou alguma história sobre essa escultura. E no final, ele pediu para passar a mão nessa acentuação fálica.”
“Achei ridículo e fiz só porque ele pediu. Aí fiquei pensando se ele era homoafetivo com esse negócio dessa escultura. Ele não fez transparecer nenhum interesse assim. Perguntei se ele tinha morado já com alguém. Ele disse que foi casado e morou com duas mulheres. Mas explicou que nunca foi casado no sentido religioso. Ele viu que eu não estava mais à vontade.”
O estudante também relata que durante a conversa o professor disse que gostaria que ele fosse orientado por ele, sendo o aluno “seu pupilo” e ele, “seu mestre”.
“E eu fiquei muito honrado com aquilo. Só que, a partir daí, ele começou a traçar uma conversa relacionada ao corpo. Disse que tem que cuidar do corpo, da mente, tem que ter energia e começou a entrar nas questões sexuais. Começou a falar dele nisso, tamanho do órgão sexual, com quem havia transado.”
O aluno conta que foi após essa conversa que o assédio ocorreu. “Aquela conversa estava tão aleatória. Fiquei pensando: ‘O que eu estou fazendo aqui?’ Ele estava sentado à minha esquerda. Quando terminou de falar o monólogo dele, porque eu fiquei uns 15 minutos sem falar, ele veio na minha direção com os dois braços abertos, nitidamente para me abraçar. Esse abraço já não era com aperto de mão, que dava aquele distanciamento.”
Segundo o estudante, o abraço era tão forte que não permitia que ele se mexesse. “O que me restava eram os braços aqui, a partir do cotovelo, que estava nas costas dele. Ele começou a suspirar no meu ouvido, a fazer barulho, passar a boca no meu pescoço. Começou a me apertar mais forte, a me puxar mais para próximo dele e, enquanto ele me puxava, ele vinha com a parte de baixo do corpo. O pênis dele tocando na minha perna.”
Depois das tentativas de contato íntimo, o estudante diz que conseguiu se desvencilhar do professor.
“Esse abraço durou por volta de 2 minutos. Eu olhei para a cara dele e falei que tinha um trabalho de [direito] constitucional para fazer e que o pessoal estava me esperando. Abri a porta e fui para o elevador.”
“Eu fiquei aliviado por ter saído porque ele ia tentar tirar minha roupa. Mas, ao mesmo tempo, [fiquei] muito decepcionado. Ele trabalha com vulnerabilidade, estabelecendo uma conexão emocional. Até mesmo com a tentativa de criar dependência emocional. Eu percebo que ele tinha inúmeras opções de ter demonstrado interesse em mim, mas ele não quis. Ele quis fazer isso da maneira cruel.”
O estudante ainda diz que resolveu não contar o que tinha passado para ninguém da faculdade nem para sua namorada.
“Eu me senti muito burro naquele momento por ter caído nisso. Me senti um idiota. Fui perceber isso nitidamente depois. Ficou muito claro para mim que tudo o que ele fez, tudo que ele falou desde o início era somente para chegar nesse nível de que eu tivesse alguma conexão emocional com ele, a ponto de ele fazer o que quisesse sexualmente comigo.”
“Ele se vende como alguém totalmente oposto daquilo que é. Eu espero que ele seja expulso da Universidade de São Paulo porque ele utiliza a universidade para fazer isso. Ele utiliza de fato essa relação hierárquica dentro da universidade. Então, a expulsão significaria que ele perderia uma arma que ele tem, a mais poderosa arma que ele tem”, ressaltou.
Abraço na sala dos professores
Outro ex-aluno que conversou com o g1 relata que em 2016 cursou três disciplinas livres na Faculdade de Direito, e, na disciplina de Ética, com o professor Alysson Mascaro, foi como ouvinte.
“Fiquei encantado com suas aulas, sua retórica e o embasamento intelectual que ele possui para ministrar suas aulas. No entanto, um certo dia eu estava com o livro de sua autoria em mãos, e lhe pedi um autógrafo. Ele me chamou para ir até sua sala, algo que achei estranho, pois não havia nenhum vínculo acadêmico com ele. Entrando em sua sala, ele fechou as persianas, e logo me deu um abraço.”
“Eu disse que era de outra unidade da USP e que estava realizando matérias optativas ali na Faculdade de Direito. Em seguida, ele me deu outro abraço, e sentou em sua mesa. Para finalizar, passou seu email pessoal. Eu saí da sala e comentei o ocorrido com colegas do curso de Direito. Logo me alertaram que ele assediava alunos da faculdade e tomei um susto de imediato. Não fui mais assistir às suas aulas”, ressaltou.
Mobilização para investigação interna
Vinícius Alvarenga é ex-aluno da Faculdade de Direito da USP, representante discente da pós-graduação e doutorando em Direito Administrativo. Foi ele quem articulou o grupo que assinou o pedido para a abertura da investigação interna e deu os primeiros passos para que houvesse uma sindicância.
“Quando saiu a matéria no Intercept com as denúncias contra o professor, prontamente começamos a nos mobilizar entre a representação discente de pós-graduação, de graduação e o Centro Acadêmico 11 de Agosto. Compartilhamos a notícia para juntar o máximo de pessoas das instituições representativas da faculdade para dar uma força burocrática às investigações”, contou Vinicius ao g1.
“Todos nós já tínhamos ouvido relatos de que se deveria tomar cuidado com o professor Alysson, que ele assediava homens. E como sempre fui muito ligado a várias pessoas que tinham interesse pela pesquisa em marxismo, que é a linha de pesquisa do professor Alysson Mascaro, eu poderia conseguir saber quem eram as pessoas que denunciaram para a mídia.”
Fachada da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco, região central de SP
Marcos Santos/USP Imagens/Divulgação
Com as assinaturas reunidas e diante da repercussão da reportagem do site, a USP abriu apuração interna em dezembro do ano passado e afastou temporariamente Mascaro da universidade, alegando que havia “fortes indícios de materialidade dos fatos”. A sindicância preliminar foi concluída em dezembro.
“Esperamos que os alunos façam seus relatos. Sabemos que não são poucos, mas agora o que tem havido é as pessoas tomarem coragem conversando com suas famílias.”
O doutorando ainda explica que, se houver a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), a sanção aplicável é de demissão do serviço público e impedimento da pessoa retornar ao serviço público estadual durante 10 anos.
“Esses processos administrativos disciplinares são conduzidos por três professores titulares e ocorrem de uma forma muito imparcial. A suspensão do professor Alysson pode ser prorrogada por até 360 dias corridos”, explicou.
Em 18 de dezembro do ano passado, 55 ex-alunos do grupo de pesquisa “Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica”, que era coordenado por Mascaro e vinculado à USP, assinaram uma nota pública em solidariedade às pessoas que dizem terem sido vítimas do professor.
“Manifestamos nossa solidariedade às pessoas possivelmente vitimadas, sem apelar para linchamentos públicos, nem tampouco recair no louvor das garantias processuais da forma jurídica, que sempre criticamos”, dizem os ex-alunos na nota, a qual o g1 teve acesso.
E finalizam: “Que nossa energia sirva à construção coletiva de medidas de defesa social para impedir violências futuras e tratar das consequências de violências passadas”.
A sindicância interna
O relatório da sindicância foi enviado para a Procuradoria-Geral da USP em 9 de janeiro. Caberá ao órgão dar um parecer à diretoria da universidade sobre a abertura ou não de um processo administrativo disciplinar, que poderá resultar até na exoneração do docente.
A investigação foi aberta depois que 10 alunos e ex-alunos denunciaram ao site Intercept casos de assédio que teriam sido cometidos entre 2006 e 2024.
A partir das denúncias, a USP abriu uma apuração interna e afastou temporariamente Mascaro, alegando haver “fortes indícios de materialidade dos fatos”. A defesa dele nega as acusações e argumenta que ele não tinha sido ouvido antes da decisão de afastá-lo.
Durante o processo, foram ouvidos os relatos de estudantes, todos homens, que acusam Mascaro de assédio sexual, além de três mulheres, sendo uma como testemunha e outras duas como possíveis vítimas de assédio moral. Ao final, também foi colhido o depoimento do professor.
O relator, que é um professor da USP, pediu a adoção de seis providências pela diretoria da faculdade em relação ao caso, que não foram divulgadas.
Não foi informado o prazo que a Procuradoria terá para emitir o seu parecer. Caso seja favorável ao prosseguimento da investigação e a direção da instituição decida pela abertura de procedimento, serão designados três professores para conduzir o processo.
A advogada Fabiana Marques, que faz a defesa de Mascaro, disse ao g1 que não foi informada formalmente sobre a conclusão da sindicância e não teve acesso ao relatório final.
“Soubemos pela mídia sobre a conclusão e pedimos esclarecimentos para a USP para que possamos ter acesso ao relatório”, afirmou por telefone.
Quem é Alysson Mascaro?
Conhecido na área acadêmica por publicações na área jurídica, Alysson Mascaro é professor associado da Faculdade de Direito da USP e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito.
Graduado e doutor pela USP, ele é constantemente convidado para dar palestras sobre livros de sua autoria, como “Crise e Golpe”, “Estado e Forma Política”, “Filosofia do Direito” e “Introdução ao Estudo do Direito”.
Nas redes sociais, Mascaro acumula 104 mil seguidores. As publicações costumam ser vídeos de palestras, entrevistas ou do professor comentando assuntos jurídicos. Não há postagens relacionadas à vida pessoal.
Investigação na Polícia Civil e Ministério Público
Até a publicação desta reportagem não havia investigação contra Alysson Mascaro por parte da Polícia Civil ou Ministério Público.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o único boletim de ocorrência registrado na delegacia e que se refere ao caso foi feito pelo próprio professor por perseguição e difamação.
“A Polícia Civil não localizou boletins de ocorrência que tenham como autoria o homem citado. No entanto, há registros feitos pela Delegacia Eletrônica em que ele consta como vítima de perseguição e difamação. O declarante foi orientado quanto ao prazo para ofertar representação criminal”, afirmou a SSP ao g1.
“O MPSP até o momento não recebeu nenhuma investigação relacionado aos fatos da matéria mencionada”, disse o órgão.
O que diz Alysson Mascaro
Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela defesa do professor em dezembro:
“A defesa de Alysson Leandro Mascaro informa que a decisão de afastamento foi proferida sem que o professor pudesse exercer o direito de defesa ou mesmo tomar conhecimento das supostas acusações, que até o momento permanecem sob sigilo e anonimato.
O Decreto que fundamenta a medida extrema revela-se absolutamente inconstitucional, pois afronta diretamente o Estatuto dos Servidores de São Paulo, Lei que é superior a decretos e não prevê afastamento em investigações preliminares, razão pela qual a questão será discutida perante o Poder Judiciário.
No mais, há de se ressaltar que todos os supostos relatos (anônimos) contra o professor surgem em um contexto no qual diversos perfis fakes de Instagram são criados para propagar calúnias, inverdades e estimular intrigas entre Mascaro e pessoas do ambiente acadêmico.
Tal circunstância fez com que Mascaro registrasse Boletim de Ocorrência ainda em novembro, motivando a instauração de Inquérito Policial pelo crime de perseguição (art. 147-A do Código Penal), o qual se encontra em curso na Polícia Civil.
Em 25 de novembro, o Poder Judiciário deferiu um pedido liminar favorável ao Professor Alysson, para que os dados cadastrais das contas falsas sejam revelados. Desse modo, a defesa aguarda o desfecho da investigação para que os fatos sejam devidamente esclarecidos.”